Rio Doce sangra até morrer no oceano

Por Daniel do Valle / O Sollo

Catástrofe ambiental transforma foz em “mar vermelho” de lama e pode impactar o Arquipélago de Abrolhos, segundo especialistas

Rio Doce sangra até morrer no oceanoClassificada como a maior tragédia ambiental do país pela própria ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, a lama da barragem de rejeitos da Vale e da BHP Billiton, donas da mineradora Samarco, escorreu pelas montanhas de Minas Gerais, desde o dia cinco de novembro. Entre vasos e veias d’água, a enxurrada fez o Rio Doce sangrar até morrer no oceano transformando a foz em um mar “vermelho” de lama.

O rompimento das barragens de Fundão e Santarém despejou mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro no meio ambiente. Mas segundo a Samarco, a lama não é tóxica, o que vem sendo repetido. Ainda há risco de rompimento nas outras duas barragens .

O fluxo de barro percorreu mais de 600 km, em 16 dias, sobre a calha do rio Doce e chegou domingo (22) ao litoral de Regência, no Estado do Espírito Santo. A lama agora compromete a vida de todos os seres vivos e ecossistemas que dependem da água, segundo especialistas. Até mesmo os humanos.

A catástrofe atingiu direto e indiretamente mais de 30 municípios em Minas Gerais e outros três no Espírito Santo, matou 12 pessoas, deixou 11 desaparecidas e mais de 600 desabrigados. Alguns municípios tiveram que cortar o abastecimento de água. Os prefeitos destas cidades buscam uma ação conjunta para recuperar os prejuízos. Mas, e para as coisas que o dinheiro não compra?

Arquipélago de Abrolhos poderá sofrer impacto

Além de histórias e vidas, de pessoas simples, destruídas em Minas Gerais, a tragédia pode comprometer as praias do Extremo Sul da Bahia e impactar patrimônios naturais da humanidade, como o Arquipélago de Abrolhos.

O Projeto Coral Vivo, que trabalha com pesquisas e educação para conservação e uso sustentável dos ambientes de recife, com unidade Porto Seguro, publicou estimativas com pesquisadores de diferentes universidades.

O professor Adalto Bianchini, diretor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), e líder da Rede de Pesquisas Coral Vivo, ressalta que a lama enriquecida por metais pode gerar estresse oxidativo em corais e em outros organismos se a pluma do Rio Doce atingir os recifes. “Já se tem evidências científicas que concentrações elevadas de metais podem causar efeitos na biota marinha. Tudo dependerá do nível de metais que irá atingir o ambiente”.

O especialista Denis Abessa, que trabalha com monitoramento de contaminantes na UNESP, completa: “É preciso pontuar que em altas concentrações o ferro e o alumínio são capazes de causar efeitos tóxicos. O ferro estimula a produção primária, então se pode esperar algum efeito associados aos corais, e/ou aumento da produção fitoplanctônica mudando a cor da água. Há ainda os outros metais e semimetais – como o arsênio, por exemplo – que possuem potencial para intoxicar a biota aquática, inclusive os corais. Se o material chegar em Abrolhos ou nos recifes situados no Espírito Santo, podem ocorrer efeitos negativos relevantes”, destaca.

A comunidade científica ainda não tem ciência exata da composição química dessa pluma sedimentar. O pesquisador do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (LARAMG) da Uerj, Heitor Evangelista, explica que o impacto costeiro irá depender dos padrões de corrente marinha que vão se estabelecer nas próximas semanas. “No verão, existe um forte transporte de massas d’água de Norte para Sul – o que minimizaria o impacto em Abrolhos por exemplo. Mas esse seria um cenário de curto-prazo, pois no próximo inverno a ressuspensão do material depositado na plataforma continental poderia causar um impacto no médio e longo prazos”.

A bióloga Barbara Segal, que é associada à Rede de Pesquisas Coral Vivo, enfatiza que o Rio Doce e o mangue já estavam fragilizados por conta dos impactos do desenvolvimento predatório, e o manguezal, que tem a função de filtrar, pode não conseguir absorver o impacto desse desastre.

“O que preocupa é que toda a bancada rasa em frente à foz do Rio Doce acumula ao longo do tempo os sedimentos trazidos pelo rio. Essa lama com metais irá se concentrar nessa área rasa e pode ser ressuspendida, transportada para o norte pela ação dos ventos do sul. Neste caso, o ferro e outros metais nela acumulados poderão influenciar ao longo do tempo na proliferação de algas e micro-organismos nos recifes de coral e/ou contaminar seus habitantes”, finaliza Barbara Segal.

Ministério do Meio Ambiente nega impacto na Bahia

Após sobrevoar as praias do município de Linhares (ES), no último dia 23, próximo à foz do Rio Doce, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, declarou: “o acidente ainda não acabou. Não há previsão de impacto na Bahia e em Vitória. Temos que continuar monitorando a situação para avaliar os danos e rever as ações em curso”.

A ministra também falou sobre as próximas etapas do trabalho coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente. “Serão formados dois grupos de trabalho: um coordenado pelo Ibama e pelo ICMBio para avaliar o acidente de forma geral, com a participação dos órgãos ambientais e da sociedade civil. O outro grupo será coordenado tecnicamente pela Secretaria de Biodiversidade (SBF) para estudar a recuperação da bacia do rio. Neste trabalho, vamos ter que chamar os estados de Minas Gerais e Espírito Santo para participar. A recuperação vai levar anos”.

“Temos que transformar este evento lamentável em um ativo do país. A revitalização do rio Doce deverá ser um cartão de visita do Brasil: como devolvemos o rio à sociedade de maneira melhor do que estava”, concluiu a ministra.

Samarco

A Samarco informou em comunicado, no último dia 20, que continua tomando todas as providências definidas pelo Ministério Público, Projeto Tamar e Instituto Chico Mendes para direcionar a pluma de turbidez para o mar e proteger a fauna e a flora na foz do Rio Doce.

Multas

O seguro contra acidentes ambientais da empresa, de US$ 1 bilhão, é bem maior que as multas de R$ 250 milhões aplicados pelo Ibama e R$ 122 milhões pelo Governo de Minas, entre outras em andamento. Segundo estimativas, os danos causados podem chegar R$ 10 bilhões.

A Samarco declarou, em seu balanço de demonstrações financeiras de 2014, ter exportado 25,129 milhões de toneladas de ferro, com faturamento bruto de R$ 7,601 bilhões e lucro líquido de R$ 2,805 bilhões.

Divida eterna

Sempre à frente do seu tempo, o mineiro Carlos Drumond de Andrade, resumiu a tragédia de Mariana antes mesmo do acontecido, em 1984.

“LIRA ITABIRANA”.

 I – O Rio? É doce.

A Vale? Amarga.

Ai, antes fosse

Mais leve a carga.

 

II – Entre estatais

E multinacionais,

Quantos ais!

 

III – A dívida interna.

A dívida externa

A dívida eterna.

 

IV – Quantas toneladas expor tamos De ferro?

Quantas lágrimas disfarçamos sem berro?

 

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