Recordação

Recordação

Até a década de 80 as ruas de Salvador eram nossas, andava na madrugada com a impressão de que éramos donos das coisas e das pessoas, saíamos a noite, para reinar. A batida do Diulino no Rio Vermelho foi o primeiro deslumbramento, gostava de tangerina, tinha a boate Zun Zun e a cabana de Juvena, além no circo toca de segredos.

Não tínhamos dinheiro, mas tínhamos alegria. Amava a praia de Piatã, e a interminável extensão de agua azul e verde-clara, com o restaurante casquinha de siri, sentia o coração seguro e feliz. Tudo no mundo tem um cheiro próprio. A praia de Piatã não se resumia ao cheiro da maresia, tinha a fumaça do casquinha de siri e o aroma de alho que vinha de lá quando na barraca de Noca, que meu sogro era assíduo frequentador.

E eu amava todos aqueles cheiros. Principalmente por estar morando no interior inalando os cheiros de mato. Toda sensação de adeus que ficou em mim daquela época. Meu Deus, meu Deus, se eu tiver um dia que ficar só, me leve de volta aos anos 80. Chegar pelo túnel do tempo e reinventar o passado com vistas a dar mais corpo e alma ao presente. Hoje, nas festas de Carnaval e São João encontro na distância em que voluntariamente me coloquei, lamentando, em silêncio, a morte da minha capacidade de deslumbramento.

Aconteça o que acontecer, não encontro paz e segurança. Ah, eu gostaria tanto que os meus olhos ainda se encantassem acompanhando as alegrias das festas, até a altura em que meu coração transbordasse de felicidade. Mas a insegurança acabou com as reservas de meninice que a gente deve manter pela vida em fora. Mas tudo eu já passei, blocos, festas praias. Eu queria somente a brisa fresca e silenciosa, sem as vozes do medo de hoje. Das festas eu tiraria a violência e este universo empresarial e deixaria a paz filtrada da espontaneidade que existia no bloco do Jacu, nas músicas de Morais Moreira e Luis Caldas e, nela desfrutaria da vida outra vez.

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