O órgão responsável por elaborar a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) informou ao G1, via Lei de Acesso à Informação (LAI), que questões consideradas polêmicas ou de cunho ideológico não foram apagadas do seu acervo, mas que houve recomendação expressa para que não fossem usadas na elaboração da prova deste ano.
No próximo domingo (3), o Enem 2019 terá seu primeiro dia de prova, que será também a estreia da gestão do presidente Jair Bolsonaro na condução do exame.
Neste ano, por orientação de Bolsonaro, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia ligada ao Ministério da Educação (MEC) criou uma comissão externa para analisar as questões do Enem.
Segundo fontes ouvidas pelo G1, três pessoas designadas pelo Inep passaram cerca de duas semanas fazendo uma varredura de todas as questões do Banco Nacional de Itens (BNI), o sistema que guarda todas as questões que podem cair no Enem.
À época, os membros da comissão foram indicados pelo então ministro Ricardo Vélez Rodríguez e pelo então presidente do Inep Marcus Vinicius Rodrigues. Via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Inep informou que a escolha buscou “perfis de profissionais com experiência em docência e com formação acadêmica stricto sensu na área de ciências humanas”.
O objetivo, segundo a portaria que instituiu a comissão, foi analisar as questões prontas para serem usadas em futuras edições do Enem para “verificar a sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do exame”.
Itens ‘não recomendados’
Conforme já divulgado pelo Inep, essa leitura dos itens não retirou questões consideradas impróprias do BNI. Mas, via Lei de Acesso à Informação (LAI), a autarquia detalhou que esses itens considerados inadequados foram isolados dos demais para a elaboração específica do Enem 2019.
“Os itens não foram excluídos do Banco Nacional de Itens, sendo apenas não recomendados para a montagem da edição 2019 do Enem”, respondeu o Inep, via LAI.
Quarentena no Banco Nacional de Itens
Um dos possíveis motivos para a não exclusão dos itens do BNI, porém, é fato de que o sistema não permite a retirada de questões. Diversas fontes ouvidas pelo G1 nesta semana sob a condição de anonimato reforçaram que as questões do BNI são consideradas um bem público e, por isso, não podem ser apagadas do sistema caso uma análise as considere inadequadas segundo os critérios pedagógicos levados em conta em uma determinada edição do Enem.
Por isso, é possível que, no futuro, essas questões possam vir a aparecer na prova.
Além disso, apesar de o trabalho da comissão já ter sido concluído há meses – havia pressa para que a varredura terminasse antes do processo de elaboração das provas deste ano –, o relatório final ainda precisa ser referendado pelo chefe da Diretoria de Avaliações da Educação Básica (Daeb) e pelo próprio presidente do Inep.
Metodologia do Enem foi mantida
O número total de itens do BNI também não é divulgado oficialmente, mas fontes afirmam que ele ainda não tem um volume suficiente para, por exemplo, realizar duas edições regulares do Enem por ano. Mas, mesmo após o “isolamento” dos “itens em quarentena”, foi possível obter no sistema questões suficientes para montar a edição regular de 2019, que acontece entre 3 e 10 de novembro, a edição para pessoas privadas de liberdade, que será aplicada em 10 e 11 de dezembro, e uma terceira versão das provas, que fica de reserva, caso alguma emergência exija mais uma aplicação do Enem.
Por isso, a metodologia da Teoria Resposta ao Item (TRI) usada no exame não foi prejudicada pelo trabalho da comissão.
Pela TRI, usada em avaliações com milhões de participantes para evitar um grande número de empates, a pontuação de cada candidato é definida não pelo número de acertos, mas pelo tipo de questões que ele acertou e errou (veja mais abaixo).
Orientação do presidente
A comissão externa – um instrumento que já era previsto em regulamentos do Inep e que costuma ser usado principalmente para a revisão de questões sobre conhecimentos que passaram por reformulações recentes – foi a solução encontrada pela primeira equipe montada pelo novo governo federal para atender à solicitação do presidente de excluir questões polêmicas da prova.
Pouco depois de ser eleito, Bolsonaro chegou a dizer que seu governo ‘tomaria conhecimento’ da prova antes de o Enem ser impresso.
Mas a expectativa sobre se ele veria ou não a prova antes de ela ser aplicada aos candidatos foi derrubada em maio deste ano, quando o então presidente do Inep, Elmer Coelho Vicenzi, disse que “não foi pedido ao Inep, por nenhuma autoridade superior ao presidente do Inep – ministro da Educação ou o próprio presidente [Bolsonaro]– para ler a prova”.
Ex-ministros da Educação e ex-presidentes do Inep ouvidos pelo G1 explicam que escolheram não ter acesso antecipado às provas do Enem. Um dos motivos é o fato de que, antes de ver as questões, é preciso assinar um documento declarando não ter parentes próximos inscritos no exame, e todas as pessoas que tiverem acesso se tornam possíveis suspeitos de investigação, caso haja algum vazamento ou fraude no Enem.
‘Não ficar criando polêmicas’
Desde então, os dois presidentes do Inep e o ministro da Educação acabaram exonerados. Mas o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, reafirmou em 10 de outubro que o foco do Enem 2019 é “não criar polêmicas”, mas garantir que a prova meça o conhecimento dos estudantes.
“Simplesmente a gente pediu para que houvesse foco em questões não ideológicas, que mensurassem o conhecimento dos jovens na capacidade de ler, compreender texto, matemática, ciências, biologia, física, química, e não ficar discutindo coisas de caráter que possam polemizar o ensino dos jovens e das crianças do Brasil. A gente quer que as crianças aprendam, e que o ensino avance, e não ficar criando polêmicas”, explicou Weintraub.
Fonte: G1