Empresário diz que houve abusos na prisão de toda a sua família
Paulo Sérgio Costa Pinto Cavalcanti, 52 anos, dono da Sasil e principal alvo da Operação Alquimia da Receita e da Polícia Federal. Por isso resolveu falar. Cavalcanti deixou o país no dia 11 de agosto para férias com a mulher na Europa, entre Portugal e Espanha. Desembarcou no dia 23 direto para a Polícia Federal e de lá para o presídio de Mata Escura, onde ficou cinco dias numa cela. Solto na sexta-feira, passou o sábado com a família e imediatamente voltou a trabalhar. Em menos de duas semanas, sua vida de empresário de sucesso foi transformada na de um suposto chefe de uma quadrilha internacional, envolvida num esquema que envolveria centenas de empresas e laranjas numa sonegação bilionária. Está com contas e bens bloqueados, é vigiado e olhado com desconfiança por onde anda.
“Sou acusado de ser dono de uma ilha”, diz referindo-se à propriedade que comprou em 87, na Baía de Todos os Santos, confiscada pela Receita e que acabou tornando-se símbolo da operação. Junto às barras de ouro que, segundo ele – e mostra comprovantes -, são a poupança de sua mãe, de 81 anos, apontada como laranja do esquema.
Cavalcanti diz que a operação – fruto de uma investigação iniciada em 2002 – o pegou de surpresa. Nunca tinha sido intimado pela Receita a prestar qualquer esclarecimento e saiu do país pela porta da frente: “Apresentei meu passaporte à Polícia Federal”. Nega todas as acusações e diz não ter ideia do que possa estar por trás do pesadelo que passou a viver – e segundo ele – não acaba. “Eu acordo e ele continua, me belisco e ainda estou lá”. Suspeita, sem provas, de que concorrentes incomodados com o crescimento de sua empresa no disputado mercado da distribuição de produtos químicos sejam os principais beneficiados com tudo que lhe aconteceu. Ontem, ao lado do advogado Gamil Föppel, conversou com o CORREIO, em seu gabinete na sede da Sasil, no Porto Seco Pirajá. A seguir, como foi a Operação Alquimia contada pelo outro lado em entrevista.
Por que o sr. resolveu falar?
Quem não deve não teme. Tenho a obrigação, como cidadão, de me expor, de fazer alguma coisa para que a gente possa, de alguma forma, interromper essas ações desastrosas.
A Operação Alquimia pegou o senhor em férias na Europa. Como ficou sabendo do que estava acontecendo?
Saí do país com meu passaporte e o apresentei à Polícia Federal normalmente. No dia da operação, cerca de uma semana depois, recebi um telefonema avisando que a polícia estava em minha casa. Tentei falar com a minha filha, que estava em casa com a minha sogra, e não consegui. Ligava para minha casa e atendiam o telefone e desligavam. Comecei, então, a receber telefonemas de fornecedores dizendo que a Federal estava querendo saber informações da minha companhia. Recebi ligações de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina.
O senhor tinha alguma noção do que se tratava?
Nenhuma. Não fazia a menor ideia. Comecei a telefonar para tentar entender. Só comecei a me dar conta quando falei com a minha filha. Ela disse que havia 17 pessoas (policiais) dentro de casa revirando tudo. Consegui então falar com o Marcelo (Brito, advogado da Sasil) e soube que estava sendo acusado de uma suposta participação numa ação de sonegação.
Ao que o senhor atribui essa acusação?
Para mim é uma total surpresa porque nunca fui sequer intimado. Quando as pessoas têm algum problema (com a Receita), normalmente são chamadas, intimadas, questionadas. Como é que alguém me diz que eu tenho dez anos sendo investigado pela Receita Federal por sonegação fiscal e o Fisco permite que isso aconteça? Todo ano tem declaração de renda, tem malha fina, tem isso, tem aquilo. Todos os momentos você sofre uma pressão enorme da Receita. Como é que eu poderia passar dez anos com a Receita Federal achando que existia um crime de sonegação e nunca fui chamado. Isso é estranho, é absurdo. A Receita tem obrigação de zelar pelo patrimônio da União. Todo mundo me conhece. Meu patrimônio é o mesmo, essa empresa está aqui a vida toda. Está no inquérito, eles mesmos colocam. Desde 1975 o cara existe naquele mesmo local. O senhor está me entrevistando aqui dentro da minha companhia. Será que todo mundo sabia disso menos a Receita? Eu morei aqui. Minha casa era aqui na frente. Todo mundo sabe da minha história. Como é que isso acontece comigo viajando? Deixam eu sair e depois eu passo a ser sonegador fiscal de um bilhão num esquema com 300 empresas, como saiu nos jornais.
Mas o senhor – ou seu advogado, que teve acesso ao inquérito – sabe que empresas são essas? Conhece alguma delas?
(O advogado responde) Em primeiro lugar, essas 300 empresas não são ligadas e não estão vinculadas ao Paulo. Não são nominadas no inquérito. O delegado não deu este número. Outro ponto a ser esclarecido é que, na decisão colocada pelo juiz e na representação do delegado, em momento algum se fala num valor líquido e certo de sonegação fiscal. Não se sabe de onde saiu essa informação que em determinado momento já virou R$ 2 bilhões. Não há um procedimento fiscal concluído, encerrado, feito em favor de Paulo. De acordo com interpretação do Supremo Tribunal Federal, numa súmula que é vinculante e vale como lei ordinária, só pode existir crime tributário se houver, antes, o lançamento definitivo do tributo. E isso não houve.
O senhor é acusado de quê?
Eu não estou sendo acusado de nada, não fui denunciado. Questionei isso ao delegado. Se estou sendo investigado, por que já fui logo, direto, para a prisão temporária? Ele disse que era “para investigar”. Investigar o quê se vocês investigam há dez anos? “Ah, mas é para o senhor não atrapalhar as investigações”, respondeu. Como eu vou atrapalhar as investigações se vocês invadiram minha residência e todas as minhas empresas, os lares da gente, prenderam minha família inteira e as pessoas que os senhores dizem que tiveram em algum momento algum tipo de relacionamento comigo? Como vou atrapalhar as investigações se naquela ocasião eu estava em viagem e voltaria ao país por livre e espontânea vontade?
Quantas pessoas da sua família foram presas ou levadas pela polícia?
Minha família inteira. Só sobraram um sobrinho de 15 anos e minha mãe de 81. Foi por sangue, por genética. Minha irmã que mora em Brasília há anos foi levada, não sei por que, para a Polícia Federal. Minha mãe não foi conduzida porque tem 81 anos, mas teve sua casa invadida para busca e apreensão. Meu filho, minha mulher, meu irmão, estavam todos com prisão preventiva decretada. Minha filha foi conduzida à Polícia Federal. Se você parar para analisar é um absurdo. Qual foi a justificativa? Qual foi a razão? Sonegação fiscal. Você via uma coisa assim na época da inquisição, dos nazistas atrás dos judeus. Mas você viver isso como empresário estabelecido e conhecido por suposto crime de sonegação. Eu pedi para ver quanto é que eu tinha para pagar. Qualquer empresário, qualquer cidadão sabe disso. Primeiro, é declaração, malha fina, você vê quanto deve, paga, parcela, negocia, discute juridicamente. Se bloquearam minha conta, meus bens, invadiram, tinham que ter pego em flagrante. Tinham que ter pego um bilhão de sonegação fiscal. Cadê o dinheiro? Cadê as remessas para as 300 empresas em paraíso fiscal?
Como foi o voo de volta antes de ser preso? O senhor conseguiu dormir?
Dormir? Se eu tivesse tomado algum remédio, talvez. Mas não é minha característica. Minha cabeça parecia um turbilhão. Eu vinha imaginando o que poderia acontecer quando eu chegasse, o futuro da minha empresa. Eu emprego 600 pessoas. Sempre tive uma preocupação social muito grande. Minha imagem estava sendo destruída. Ilha do tesouro, acharam ouro na ilha do tesouro! Uma mentira terrível. Um absurdo. Fizeram uma montagem, uma edição de filme para mostrar um helicóptero descendo na ilha. E depois disseram que havia um tesouro na ilha. É tudo mentira. O ouro é de minha mãe. Minha mãe mantinha na residência dela desde que Collor confiscou a poupança. Não tinha mais confiança. Há 20 anos, ela começou a comprar ouro. Aqui está o carnê da Ourobraz que minha mãe pagava. Aqui estão as notas fiscais, o valor do ouro, tudo em nota fiscal. Eles pegaram esse ouro, barrinhas de 50 gramas que ela guardava. Tiraram tudo, colocaram num saco e fizeram a montagem. Ouro na ilha do tesouro! E assim transformam a gente em marginal. Pegam a nossa ilha e mostram como se fosse o fruto de uma sonegação de um bilhão de reais. Uma ilha que foi comprada em 1987 por 300 mil cruzados (cerca de 20 mil dólares na época). Está aqui na nota. A escritura pública é de 1992.
A quem interessa isso tudo?
Não posso ficar atribuindo… A uma participação política? Não tenho, não sou de nenhum partido político. Não posso ficar achando que tenha gente com um poder desses. O que posso achar é que foi uma operação desastrosa, irresponsável, das pessoas que investigaram e que levaram essas informações para o juiz. Uma decisão arbitrária e inconsequente. Não importa o que eu posso estar incomodando o concorrente. O que importa é que as instituições que servem ao nosso país têm que ter a responsabilidade de entender e ouvir. A pessoa pode dizer o que quiser. Você tem que ouvir, avaliar, investigar corretamente. A Receita não pode errar em números. Ela tem que vir e perguntar. Não pode informar se ela acha que sua operação financeira não está de acordo com alguma coisa, porque ela não veio perguntar, porque não procurou saber, não apurou antes de condenar, entre aspas. Eles vão lá e acham um monte de coisa e o juiz decide: “Já que eles acham um monte de coisa, vão lá e prendam ele, a mãe dele, o irmão, o filho”.
O senhor chegou a ser maltratado fisicamente? Foi algemado?
Não. Fisicamente, não. Mas fui maltratado moralmente, psicologicamente. Não fui algemado, mas meu irmão foi, a esposa dele foi e as pessoas que foram levadas com eles no camburão foram algemadas. E estava escrito que isso não poderia ser feito. Foram obrigados a ficar nus e a fazer força para que fosse verificado se tinham alguma coisa na vagina e no ânus. Isso não é humilhação? Fui obrigado a ficar nu também. Eu fui detido em prisão preventiva. É padrão do presídio, não é culpa do presídio. Você tem que seguir os procedimentos normais de preso. Mas é uma inversão. Qual é a pior pena que dão a uma pessoa depois de julgada e condenada? É a perda da liberdade. Você prende pela suposta participação num crime de sonegação fiscal onde não há sequer uma multa correndo contra mim. Não tinha uma infração e fui julgado, condenado, destruído na mídia, sem poder responder. Estava preso, minha família estava presa. Por isso estou falando agora.
O que representaram esses cinco dias na prisão para o senhor?
Eles me fortaleceram. Acredite nisso. Isso não vai ficar assim. Nós não podemos permitir que isso aconteça em nosso país. Uma pessoa com a história que eu tenho, minha mãe é uma professora primária, trabalha até hoje. Então quer dizer que a empresa dela era laranja? Com a vida que a gente tem, sermos transformados em marginais, em ladrões e sonegadores. Isso é um absurdo. Estou sendo considerado culpado de ter uma ilha. De ter uma casa de praia comprada em 87. De ter trabalhado esses anos todos e comprado uma casa de praia que nem é só minha. É minha e de meu irmão. Eles mostram como se fosse uma ilha só. Passei esses anos todos empregando, botei essa empresa no país inteiro, recolho impostos no país todo e a gente é culpada por ter esse valor, por ter dado certo.
Como foram seus dias na prisão?
Se o senhor quer saber se eu não dormi bem, eu não dormi bem. Se o senhor quer saber se eu dormi no chão, eu dormi no chão. Se o senhor quer saber se eu dividi a cela com mais gente, eu dividi com mais seis.
Provada sua inocência, o senhor pretende buscar ressarcimento?
Claro. Vou buscar desde já. Estou fazendo todos os questionamentos. É o que me resta. Me deixaram acuado. Qualquer bicho acuado parte pra cima seja de quem for. Você tem que defender. Só me deixaram isso. Preciso defender a minha dignidade, meus valores morais, pessoais e da minha família. E vou atrás disso no que ainda eu acredito, que é a Justiça.
Fonte: Sergio Costa / Correio da Bahia