A cada vez que se ouvir falar da biodiversidade brasileira e do respectivo potencial de desenvolvimento a partir do uso sustentável, é um bom exercício se perguntar de onde vem a essência vegetal do cosmético ou fitoterápico que se tem em casa, quem a coletou e processou e em que território esse trabalho rendeu dinheiro.
É de produção relevante para o Brasil e de renda circulando na região que trata o programa federal Rota da Biodiversidade, gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) em parceria com a RedesFito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Desde 2019 o programa conta com o Polo Aroeirinha, designado para se tornar um espaço especializado em fitoprodutos da Mata Atlântica na Bahia.
E um projeto de extensão da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) faz parte desse esforço, capacitando trabalhadoras rurais para aproveitar conhecimentos tradicionais e com eles fabricar produtos naturais com qualidade de forma sustentável.
“O projeto de extensão propõe a valorização do conhecimento tradicional de mulheres assentadas para o uso e manipulação de plantas medicinais nativas e/ou adaptadas da região, incentivando-as e capacitando-as para o emprego de boas práticas de cultivo e manejo, pré-beneficiamento e processamento das plantas, visando sobretudo uma alternativa de renda para os períodos de entre-safra da cacau (principal atividade econômica dos assentamentos da região)”, explica a professora e pesquisadora.
O projeto já conquistou apoio financeiro do programa Rota da Biodiversidade, no valor de R$ 225 mil que serão investidos na compra de equipamentos para as unidades beneficiadoras nos assentamentos-modelo do Polo, e mais R$ 283 mil pelo edital Bahia Produtiva, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural da Bahia, em parceria com a Associação Jabuticaba do Assentamento Terra de Santa Cruz.
A professora Jannaina comenta que a equipe do projeto conta com um time multidisciplinar de docentes, nove alunos de graduação e uma aluna de pós-graduação.
Os estudantes atuam na linha de frente, recebendo treinamento intensivo sobre normas de biossegurança, boas práticas de manipulação e formulação de fitoprodutos e levando esses saberes para as comunidades rurais, aldeias indígenas e associações comunitárias.
Desde sua criação em junho de 2019, o projeto já ofereceu cinco oficinas e levou amostras do que se produziu junto com as comunidades na exposição de profissões do IEL e da Gincana de Ciências no município de Coaraci.
Ela aponta o ano de 2019 como proveitoso para as atividades do projeto no contato interinstitucional, com o convite para participar do Workshop de Cadeias Produtivas de Fitoterápicos e colaborar na construção de metas do projeto GEF-BRA/18/G31, que é “uma iniciativa do Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF) junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Ministério do Meio Ambiente (MMA) que incentiva o uso sustentável, acessível e inovador dos recursos da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado em cadeias promissoras de valor para fitoterápicos no Brasil”.
A agenda para o primeiro semestre de 2020 já conta com três oficinas previstas. A segunda edição do Workshop de Plantas Medicinais e Fitoprodutos da Mata Atlântica deve ocorrer em outubro.
A primeira edição do workshop foi realizada como evento integrado à SNCT [Semana Nacional de Ciência e Tecnologia]e sediada no Assentamento Terra de Santa Cruz, com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Regional, RedesFito/FioCruz, Secretaria do Desenvolvimento Rural da Bahia, Ceplac e das empresas Ayapuana e Ás d’Lilás, recebendo cerca de 60 mulheres agricultoras de diferentes assentamentos e 30 alunos inscritos como participantes/ouvintes.
“A expectativa para 2020 é ampliar o número de inscritos, aproximando ainda mais o público técnico-científico do conhecimento tradicional, possibilitando maior integração e atividades de extensão que contribuam para a estruturação do setor produtivo de plantas medicinais na região”, disse a professora Jannaína, que também compõe a coordenação nacional do Grupo de Plantas Medicinais da Associação Brasileira de Horticultura (ABH).
Ela fala mais a respeito do projeto e das perspectivas para os fitoprodutos na região:
Existe alguma estimativa do valor de mercado potencial dos fitoprodutos no Brasil?
Existe um levantamento do CNS sobre o mercado brasileiro de produtos farmacêuticos em 2015 que estimou uma movimentação do setor de R$ 65,7bi, desses 7% (~R$ 4,6 bi) equivalentes a produtos fitoterápicos.
Nesse mesmo período, o CNS fez uma pesquisa para estimar o interesse dos consumidores em substituir medicamentos convencionalmente sintéticos pelos de ação similar e correspondente de origem fitoterápica e, como resultado, 10% dos consumidores brasileiros demonstraram essa predisposição à substituição.
É importante considerar que o potencial de mercado é ainda mais interessante quando se estuda os números internacionais: o mercado de fitoterápicos nessa mesma época movimentava na Europa algo em torno de U$ 20 bi e a mesma pesquisa realizada lá demonstrava um interesse de 80% dos consumidores a realizarem essa substituição pelos fitoterápicos.
Esses dados já eram alarmantes naquela época e nos levam a questionar: por que, no país de maior biodiversidade florística do planeta e detentor de tanto conhecimento tradicional no uso de plantas medicinais, ainda apresentamos tantas restrições ao seu uso?
Que possibilidades se pode vislumbrar com o estímulo a essa atividade em paralelo com a cacauicultura aqui na região?
O intuito do projeto e do próprio Programa do Governo (Rota da Biodiversidade) é estimular a produção de fitoprodutos em geral, o que pode abranger desde fitocosméticos, suplementos, fitoterápicos até simplesmente o fornecimento de insumos (matéria-prima padronizada) para a indústria especializada.
A atividade exercida vai depender muito do perfil da comunidade. Por exemplo, as agricultoras do Assentamento Terra de Santa Cruz nos procuraram através da DSIS [Diretoria de Sustentabilidade e Integração Social da UFSB] para auxiliá-las a elaborar um projeto e submeter ao edital da SDR-BA em 2019.
Esse projeto foi contemplado com R$ 283 mil para equipamentos e capacitação. Então, nossa primeira ação foi realizar o I Workshop de Plantas Medicinais e Fitoprodutos da Mata Atlântica no assentamento para viabilizar ao máximo a participação das agricultoras envolvidas no projeto.
Durante as oficinas, elas manifestaram o interesse pela elaboração de fitocosméticos; agora, vamos iniciar o planejamento para produção da matéria-prima necessária em sistema consorciado ao cacau, prevendo que essa matéria-prima será toda manipulada dentro da comunidade para produção dos fitocosméticos que serão comercializados diretamente por elas, foi uma opção delas.
Nada impede que outra comunidade opte por produzir apenas a matéria-prima, preparar os extratos e/ou óleos essenciais e comercializar diretamente com uma indústria farmacêutica ou de cosméticos.
Ao todo, quantas pessoas participaram das oficinas realizadas em 2019?
Qual o tamanho do potencial público produtor que o projeto quer apoiar na área do Polo Aroeirinha?
É difícil estimar. Territorialmente, o Polo Aroeirinha é um dos mais extensos, abrangendo desde o Recôncavo ao Litoral Sul da Bahia.
A coordenação ficou dividida entre a UFRB e a UFSB, os membros do comitê gestor são predominantemente do Recôncavo e eu sou a única representando o Litoral Sul, mas existe uma demanda do próprio MDR para reestruturação do comitê e inserção de novos membros que espero que seja realizada em breve.
A princípio, as comunidades do nosso território mais diretamente envolvidas com o Polo são o Assentamento Terra Vista e o Assentamento Terra de Santa Cruz porque fazem parte do projeto de extensão que coordeno, mas o secretário da Agricultura do município de Jussari nos procurou no final de 2019 para participar do projeto, então em breve devemos visitar mais comunidades interessadas.
Para dar uma ideia da dinâmica das oficinas: elas são abertas ao público em geral, ou serão em algum momento? O que os participantes aprendem nesses eventos?
As oficinas são abertas e realizadas nas comunidades que demonstram interesse, desde que atendam a algumas demandas e recursos que costumo combinar com os organizadores.
Por exemplo, o número máximo de participantes não deve ser superior a vinte pessoas, precisamos de um local limpo, iluminado e arejado, com bancadas, cadeiras, fogão ou placas de aquecimento, vidrarias e matérias-primas básicas.
Em 2019 contamos com recurso da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPPG) para realizar oficinas, uma vez que temos alguns projetos de pesquisa vinculados, então pudemos providenciar matéria-prima e as oficinas foram bem sucedidas.
A comunidade do Assentamento Terra de Santa Cruz submeteu e aprovou um projeto conosco e logo teremos recurso para oficinas ampliadas naquele lugar. O
Instituto Arapyaú nos convidou para uma oficina em fevereiro e deve nos ajudar com a aquisição de material. É muito dinâmico, cada oficina tem sua característica própria.
Que fitoprodutos estão sendo trabalhados nesse momento?
Como nosso público predominante é feminino, e queremos que continue assim porque percebemos a necessidade e afinidade delas com o tema, os queridinhos das oficinas são os fitocosméticos, principalmente os sabonetes artesanais, mas elas também pedem os hidratantes corporais, protetores labiais pigmentados, xampus, etc.
O grupo de alunos do BI Saúde foca muito no atendimento básico, eles sempre abordam como utilizar os óleos essenciais, como fazer uma tintura equilibrada, repelentes de insetos, xarope expectorante, sabonetes fitoterápicos, e assim vai.