Presunção

“Que é que você sabe, que nós não sabemos? Que compreensão têm você, que nós não temos? Temos do nosso lado homens de cabelos brancos, muito mais velhos que o seu pai.” (Jó 15.9-10)

Vê como é simplista a avaliação de Elifaz? Parece que, para ele, tudo é uma questão de conceito, de informação, de seguir o manual. Alguns cristãos chamam a Bíblia de “Manual do Fabricante”. Imagino que pensam estar realçando seu valor. Mas a mim parece o contrário. A Bíblia não é um manual, porque não somos máquinas e a vida não é uma novela com enredo definido. A Bíblia é um testemunho de como homens e Deus se relacionaram na vida, com seus dramas, equívocos e riscos. Ela nos convida a nos relacionar com Deus, a “fazer a viver a vida em Sua presença”, a experimentar a vida seguindo as intenções do nosso Criador. A fé cristã não é funcional, é relacional.

O que Jó sabia e seus amigos não? Jó sabia o que era a dor de perder filhos e bens, saúde e dignidade, tudo ao mesmo tempo. Jó sabia o que era orar insistentemente e nada acontecer. Sabia o que era viver com vontade de morrer. Mas, do meio de todo esse caos e dor, ele sabia pertencer a Deus e estar em Suas mãos. Não havia bênçãos, nada estava dando certo, ele está em conflito com Deus, mas não descrê, não cogita que Deus talvez não exista. Ao contrário, ele acusa Deus de injusto exatamente porque não consegue olhar para nada do que lhe acontece sem conceber o envolvimento de Deus. Seus amigos nada sabiam sobre isso. Nesse sentido, talvez tenhamos muito em comum com eles.

Podemos aprender um pouco com Jó e também com seus amigos. Ele está preso a Deus pela fé como um alpinista ao usar uma corda de segurança. Ele escala paredões íngremes, perturbadores, perigosos. Ele escorrega, mas está “pendurado em Deus”, que não lhe solta. Quantos de nós já sabem o que é crer assim? Com seus amigos precisamos aprender a ser menos presunçosos. Nosso possível conhecimento de Deus, que tantas vezes é apenas conhecimento do texto bíblico, não deve nos levar a crer que já sabemos tudo sobre a vida e sobre as pessoas. Não nos habilita a ser juízes. É muito simples julgar algo como certo ou errado, mas é preciso mais, que só é possível saber se enxergarmos as pessoas. A fé em Deus não é um atalho para a vida. É a corda de segurança que nos permite entrar e sair dos lugares difíceis da vida e, algumas vezes, ser resgatadores de alguns que estão presos lá. Para Elifaz, isso pareceria pouco cristão. Não é estranho que muitas vezes nos pareça também.

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