No longínquo ano de 1962, meu pai chegou a Porto Seguro para ser juiz de direito. Era em pleno tempo do ainda não. Ainda não havia luz. A geladeira era, a querosene, ainda tinha um gerador. Muitas memórias se apagaram. Nunca esqueço que jantávamos cedo, quando o dia mal acabava e precisávamos da luz de um lampião que espantasse as trevas para os cantos da sala. Uma porção de mariposas e besourinhos invadiam a sala, atraídos pelo brilho do Aladim.- novidade que, apesar do nome, não era uma lâmpada maravilhosa, mas a marca do lampião poderoso que clareava mais do que as lamparinas e as velas de chama trêmula, a criar sombras dançantes nas paredes. Um Aladim sem gênios ou tapetes voadores, que ficavam apenas nas histórias que meu avô contava. Tudo isto recordo, como se todas as recordações de antigamente fizessem parte de meu presente no silêncio que agora me rodeia. Quem escreve recordações antigas, ao buscar o plausível, torna-se um Deus grego. Aqui eu me entrego ao acaso, ele me guia a seu talento sem que eu me permita a mais pálida interferência. Ou, por outra, constato, verifico, registro, nada invento. Não sou Deus ou o destino. Sou apenas o instrumento do acaso. O destino embaralha as cartas e nós a jogamos. E continuo recordando devagar, de maneira mecânica, pelo cálido ar da noite, que produz eco, até achar a lembrança correta. Estou sentado no computador ao lado da janela aberta e fico encarando uma estrela, viro-me para o lado e olho para a rua em silêncio do lado de fora. De tempos em tempos, o som de passos se elevam e depois desaparecem. Tão vazia a minha cabeça que o desespero começa a se dissolver numa grande e suave melancolia. Belo ano da minha terna infância.
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