LIDIA DE TEIVE E ARGOLO
Bacharela em Ciências Sociais – Sociologia (UFBA),
Mestra em Sociologia (UnB),
Doutora em Cultura e Sociedade (UFBA),
Professora de Sociologia (UNEB)
[email protected]
Em busca de desvelar a objetividade da noção de igualdade pressuposta no campo jurídico, Hermenêutica da Desigualdade: uma Introdução às Ciências Jurídicas e também Sociais (Del Rey: 2019) de Taurino Araújo apresenta como se deu o seu processo de naturalização, ao passo que, em contraponto, explicita a necessidade de que este campo acompanhe debates que já se consolidaram nas ciências sociais, trazendo a consideração da objetivação da igualdade e a necessidade de explicitar, compreender e lidar com as desigualdades que se fazem presentes inclusive na forma como o acesso aos bens jurídicos se dá.
A discussão empreendida por Taurino Araújo se inscreve no contexto de falência das narrativas universalizantes. Neste contexto, há o reconhecimento de que os enunciados universais planificam, no âmbito dos discursos, as relações sociais, apresentando narrativas hegemônicas e deixando de lado a observação das distinções e singularidades que compõem a realidade social. Seguindo esta senda, o sociólogo francês Pierre Bourdieu aponta que a reprodução de desigualdades sociais se desdobra mediante a adoção do discurso hegemônico de que uma educação igualitária é oferecida a todos os integrantes de uma mesma sociedade. Para Bourdieu, na medida em que o acesso a bens culturais se dá de modo desigual nos espaços de sociabilidade para além das instituições escolares, o acesso aos frutos da educação formal acaba por se dar de modo também desigual. Quando este ponto não é observado, a reprodução das distinções de classe é mantida encoberta com o véu do discurso universalizante.
Nota-se na leitura de Hermenêutica da Desigualdade que um processo semelhante ocorre no campo jurídico, quando se evoca o discurso de que o acesso às garantias jurídicas se dá de modo universal posto que o sistema jurídico, em tese, encontra-se disponível a todos que o busquem. Sem a devida consideração do acesso desigual a bens econômicos, culturais e simbólicos, corre-se o risco de manter na indigência jurídica aqueles que não têm acesso nem mesmo à compreensão de que são possuidores de direitos ou que desconheçam os meios para buscar a garantia dos mesmos.
O reconhecimento das desigualdades é condição para lidar com as mesmas e, nesse processo, evitar a permanência de sua naturalização e reprodução. Aproximar a teoria jurídica desta compreensão revela-se como de fundamental importância para a garantia de um acesso mais amplo à cidadania. Para tanto, o que Hermenêutica da Desigualdade evidencia através do estudo da desigualdade é que este reconhecimento não se dá mediante a consideração da estrutura jurídica ou das ações jurídicas separadamente. Ao contrário, é no olhar à configuração que, conforme a perspectiva do sociólogo alemão Norbert Elias, pressupõe a interdependência entre agentes na estrutura que se pode observar e lidar com as específicas condições que se apresentam. Nesta consideração a abordagem de Taurino Araújo aponta para a possibilidade de concretizar o acesso à justiça em termos de uma efetiva defesa de direitos e garantias dos cidadãos através do reconhecimento das suas singularidades.
Sobre a obra
A Hermenêutica da Desigualdade é uma teoria do direito e das ciências sociais que considera a desigualdade conceito fundamental para a solução de problemas com utilização ampliada aos negócios, saúde, governo, educação, terapias, pedagogia e terceiro setor a partir dos variados âmbitos da Hermenêutica em geral, da Filosofia, Sociologia, Economia, História, Cibernética, Antropologia, Semiótica e do Direito. Saber elaborado para que a análise das sentenças judiciais e dos processos sociais, individuais e criativos parta do mapeamento o mais abrangente possível da realidade; depois, formule respostas provisórias com base na “lei” e no conhecimento; a seguir, formule perguntas e dúvidas apropriadas em face das respostas provisórias e, por último, estabeleça respostas definitivas dentro da aplicação de uma “lei” específica, tendo em vista realidade-dogmática-zetética-dogmática. É uma epistemologia genuinamente brasileira — afora o conceito de verdade absoluta [conforme sonhou a Semana de Arte Moderna, em sua tensão por consagrar o canônico brasileiro e ao mesmo tempo ser o anticanônico da ruptura] — abrangente de pelo menos 19 áreas conhecimento e, por isso, considerada por Nelson Cerqueira um monumento inovador au-delà de Sócrates, Platão e Aristóteles.