Um dos pontos centrais na ideologia do grupo terrorista Estado Islâmico (EI ou Isis) é o de que o apocalipse, o fim dos tempos, está próximo e deve chegar após uma batalha entre exércitos islâmicos e ocidentais na cidade síria de Dabiq. No confronto, o Mahdi, um salvador que irá unificar os muçulmanos, e Jesus, o filho de Maria, descerão à terra, apressando o Dia do Julgamento Final.
O argumento é tão central na cabeça dos integrantes do EI que eles deram o nome de Dabiq à revista que publicam na internet.
A suposição de que tudo logo irá acabar, contudo, não aparece em surata alguma no Corão, o livro sagrado que teria sido revelado por Alá a Maomé. Como então explicar que o Estado Islâmico dê tanta importância para isso e ainda atraia milhares de adeptos com essa insistência?
Há, sim, textos que falam sobre o apocalipse, mas são todos posteriores à morte de Maomé. Eles aparecem nas hadiths, escritas décadas ou séculos mais tarde. As origens deles estão nas disputas entre as primeiras comunidades muçulmanas, em que cada lado buscou justificar suas políticas prevendo a sua vitória inevitável e a derrota certeira do oponente.
As primeiras lendas sobre a vinda do salvador Mahdi circularam na dinastia dos Omíadas, que governaram o mundo islâmico da cidade de Damasco nos séculos VII e VIII. Seus líderes perseguiram os descendentes de Maomé, o que enfureceu muitos muçulmanos. Ressentidos, eles começaram a contar histórias de que um salvador da família do profeta retornaria para fazer justiça ao mundo. Era o Mahdi, que lideraria a batalha derradeira contra os infiéis. O Julgamento final viria na sequência. “Para dar um peso adicional a essas profecias, elas frequentemente foram atribuídas a Maomé”, escreve William McCants, diretor da Brookings Institution e autor do livro The Isis Apocalypse (St. Martin´s Press).
A partir daí, os trechos apocalípticos passaram a ser usados sempre que uma facção queria dizer que estava do lado certo. Seus integrantes certamente venceriam os opositores, os quais nada mais poderiam esperar além da derrota. “Ao longo dos anos, as profecias do Mahdi inspiraram muitas pessoas. Como elas poderiam resistir? Não importa se com sinceridade ou não, evocar o poder espiritual e político do Mahdi era uma potente ferramenta de recrutamento“, escreve McCants.
No século XX, a crença em um apocalipse iminente perdeu espaço. As principais autoridades religiosas não alimentavam o assunto. Mesmo entre os muçulmanos xiitas, para os quais o Mahdi tem maior importância, livros sobre o tema eram fracassos comerciais. Entre os membros das elites, a coisa também não vingava. Como a Al Qaeda era comandada por dois bem-nascidos, Osama bin Laden, de família milionária, e o médico egípcio Ayman Zawahiri, o fim dos tempos foi desdenhado dentro do grupo. Contudo, o sentimento continuou latente entre a galera mais simples. Mesmo na Al Qaeda, terroristas de níveis inferiores falavam pelos cantos sobre isso, evitando serem censurados pelos seus superiores.
As previsões catastróficas só voltaram a ganhar fôlego recentemente, com as guerras e revoluções que aconteceram no Oriente Médio. Em 2012, uma pesquisa da Pew Research, de 2012, mostrou como a crença na vinda do Mahdi e de Jesus é muito prevalente entre os muçulmanos. Cerca de metade deles acredita que estarão vivos para ver a vinda do Mahdi. Essa certeza é mais forte no Afeganistão (83% pensam assim), Iraque (72%), Tunísia (67%) e Malásia (62%). Quanto a Jesus, 67% dos tunisianos e 64% dos iraquianos estão a sua espera. São valores elevados. No mundo, em geral, a porcentagem de pessoas que falam que o mundo irá acabar ainda durante a sua própria vida é de 15%.
O alívio para quem estava preocupado com o avanço do Estado Islâmico é que, no início de outubro, a cidade de Dabiq, que estava sob controle do grupo, foi retomada por rebeldes apoiados pela Turquia em uma curta batalha. Após a derrota, o EI até mudou o nome da sua revista, para Rumiyah. Se o apocalipse é mesmo certo, como dizem muitos, pelo menos vai demorar mais para acontecer.