Perdas

Perdas

O que aprendemos com tantas histórias de vida interrompidas? Será lamentado e chorando um dia ou uma semana, e até mesmo um ano? Qualquer história pode ser lida, mas na leitura você não capta sua bondade, sua franqueza, e também não desfruta de sua notável entonação. Neste mês a dor e a frustração chegaram com força sob o peso de dezesseis mil vidas que se apagaram, só no Brasil, no mundo cerca de duzentas mil. Mas, os mortos estão mortos e distantes, e jazem dentro de suas tumbas desprezados, mas o que os cemitérios transmitem é a ideia de abandono, de solidão.

As pontes com o mundo foram cortadas e lá a morte se isolou total. Absoluta. As conexões que construíam suas vidas – tanto as profundas quanto as aparentemente insignificantes (até serem rompidas) – desaparecem por inteiro. Todos nós somos golpeados pela intransponibilidade permanente da fronteira entre a vida e a morte. Vejo duas realidades, a concreta e real das estatísticas diárias de perdas e a do sofrimento. Este sentimento de impotência que levou ao suicídio do ator Flávio Migliaccio. Estes caixões lacrados eram corpos com  intervalos de tempo cumpridos e por cumprir, mas hoje estão nas trevas dos esquecidos e com o rastro da dor de milhares de familiares, dor que foge aos nossos sentidos de espectadores.

Sim, a vela, que, na infância destes seres humanos, ardeu no bolo de aniversário é a mesma que queima nas orações dos familiares. Antes da globalização, talvez nos anos de 1950, a ausência tinha um peso menor. A natureza da própria vida era para a maioria das pessoas restrita a sua comunidade, os parentes distantes ou em outra cidade, só telefone ou carta. Era como se o que havia de mais real na vida fosse coberto por um tecido no dia a dia e essa capa fosse percebida como a própria realidade, até algo abrir um buraco nela e revelar a verdadeira natureza do mundo, talvez pelo rádio.

Hoje este buraco é instantâneo, é diário, faz parte do cotidiano do mundo, com tantos meios de comunicação no tempo real.

*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe semanalmente no site www.osollo.com.br.

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