Agora, quatro da manhã aqui na Graça, onde moro, não há luzes, salvo a dos postes da rua. As plantas da minha varanda tem cheiro de mato seco, as plantas silenciosas têm cheiro de outono e, também, de um pouco de terra. Só dá para ouvir o caminhão de lixo a esta hora.
Vou fazer grandes coisas na vida! Penso em tudo o que vou fazer, vitórias, a esperança e o medo da derrota, e o sucesso, e os seres humanos com os quais serei atencioso, e o caminho, teremos de percorrer neste universo implacável. Céu lavado de abril, a linha do horizonte ao fundo, atrás dos prédios. O mar se mostrando pelo meio dos arranha-céus. O mundo natural sempre se ofereceu como uma tela para a projeção humana, uma relação com o céu e terra.
Projetamos nossos medos e anseios em tudo o que não somos, cada fera, cada montanha. E, dessa forma, nos tornamos próximos de alguma maneira. Ontem ou hoje é somente o tempo que passa. Enchendo-me todo de uma sensação anônima em que ha de tudo: tristeza, alegria, antevisão do futuro, desejo, e medo de viver. Todas às luzes estão apagadas na rua, salvo a dos postes, todos dormem, todos têm sonhos insignificantes, sou um dos poucos aqui a estar acordado no 11º andar. Gosto muito da vida e tenho horror a passar meu tempo dormindo, quando há tantas coisas a fazer. Fiquei pensando.