Abril. Está chuviscando…
Eu tenho de salvar alguns lugares para as minhas lembranças. Importante é agora essa imagem que se forma na lente mágica, transparente como a própria manhã.
Mar, pessoas, planos. A vida no futuro, intocada. Plena. Mas os números estão por toda parte, número de mortes, índice de desmatamento, percentuais de feminicídio, número de vacinados, percentual de desempregados, no entanto, o cheiro do mar não tem nada a aver com isto e eu sinto o aroma reconfortante enquanto ando na orla.
Pássaros pairam sobre minha cabeças, indiferentes a tudo. Gostaria de criar asas e juntar-se a eles em seu voo, já que com os números parece que encolho e fico longe da vida.
Passei um bom tempo sentado à margem olhando o mar, deixando o torpor invadir-me, enquanto o sol forte mergulhava ainda mais fundo no horizonte. A luz já ia sumindo. À tarde, a fumaça da poluição do tráfego enegrecia o sol e vi a diferença entre uma cabeça cheia de números e o entardecer, e entendi de que maneira uma cabeça cheia de detalhes podia interagir com uma barra de pesquisa vazia no Google.
Já não sei há quanto tempo estou aqui olhando o mar. O máximo que posso fazer é descrever isto aqui como ter consciência, mas não corpo, movimento, expressão. Consigo ver tudo ao meu redor e, no entanto, meus olhos se recusam a se abrir. Sou capaz de ouvir todos os sons, mas não de me fazer ouvir. Estou sozinho e, todavia, sempre cercado de gente.