Olhos Fechados

Olhos Fechados

“De Olhos Bem Fechados” foi o último filme de Stanley Kubrick. É o inconsciente, como um sonho. O Datafolha divulgou em junho que mais de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofreram violência física, psicológica ou sexual; em 2020, de maridos e companheiros.

Todos nós tentamos não pensar na vida com violência e morte. E se pensamos, a consideramos distante e abstrata. Nunca achamos que ela vai nos pegar de surpresa dentro de nossa casa. Assim, muitas mulheres se convencem de que a tragédia nunca irá atingi-las porque são imunes. A vida segue do jeito que deveria ser, um casal, aparentemente feliz, e então de repente o chão se abre e estamos olhando para um abismo grande o bastante para engolir a relação com violência. Esses são os eventos emocionais onde o abismo se torna maior do que a realidade vivida no dia a dia. Nem sempre foram assim.

No início, passavam noites inteiras conversando, exatamente como jovens casais fazem quando estão apaixonados. Contando histórias, com o tempo param de falar das
pequenas coisas. Os dias se tornaram mais exaustivos do que engraçados. Não relatam mais cada pormenor da vida e nem contam todas as curiosidades do dia, acabam se concentrando nos detalhes do cotidiano. Evitam falar sobre as coisas que costumávamos unir a relação.

Lembro do marido engenheiro que matou uma juíza na véspera de natal e na frente de três filhas pequenas, um abismo gigantesco e viveram muito tempo juntos. Mas começaram as rachaduras quando a relação já estava desequilibrada, surgiram fissuras. Algumas maiores do que outras, todas tem tamanho diferentes – curtas, compridas, uma variedade de larguras e se não fechar, transforma em abismo. Muitas se acostumam às decepções. A decepção e à desconfiança. Sombras não deveriam cobrir os olhos femininos tão sensíveis. Os olhos deveriam ser brilhantes sempre, cheios de esperança e expectativas. Não de medo.

Tudo o que uma mulher agredida é é uma impressão dela, de seu mundo, das suas experiências e ensinamentos dos pais. Então, a maioria das mulheres, principalmente as de baixa renda, limpam a mesa, recolhem xícaras sujas, tem uma relação intensa com a vida doméstica, a impressão do parceiro, talvez estes 24,4% tenham uma ideia de “posse” e elas de “lar” este choque de visões gera nas profundezas lodosas da psique masculina, os atos de violência e na feminina, um peso nas correntes da negação de que não será um pesadelo.

As correntes nunca são fortes ou pesadas o suficiente na mente feminina para desatar o laço. Os laços vão sendo desfeitos, mas ela tenta manter as coisas unidas. Suspirando a cada soluço triste. Mas a cidade está alheia a este sofrimento, com carros passando sob as luzes claras que brilham e pairam sobre todos os prédios. O quarto está escuro, a não ser pelos números vermelhos e brilhantes do despertador. São três da madrugada. Com as mãos esticadas, ela tateia o espaço vazio em direção à porta do quarto e a única coisa que posso fazer é me transportar ao momento que estas mulheres sofreram. Ainda que todos os habitantes do planeta estejam alheios a tudo, para estas mulheres o conceito de tempo perde inteiramente a credibilidade quando aprisionadas neste abismo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui