“Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo. E ninguém põe vinho novo em vasilhas de couro velhas; se o fizer, o vinho rebentará as vasilhas, e tanto o vinho quanto as vasilhas se estragarão. Pelo contrário, põe-se vinho novo em vasilhas de couro novas.” (Marcos 2.21-22)
Esta declaração de Jesus é muito importante para uma boa perspectiva na fé cristã. Ela deixa claro que o Evangelho não seria uma continuidade da religião judaica. Digo isso não para salientar uma oposição entre um e outra, mas para destacar a dinâmica presente na fé ensinada por Jesus e ausente na fé que se tornou a tradição dos fariseus. A fé ensinada por Jesus é um seguimento a uma pessoa, o próprio Cristo, e não a prática de um conjunto de leis e códigos litúrgicos. Deus deu as tábuas da Lei a Moisés e, a partir delas, muitas outras tábuas (leis, normas, ritos e símbolos) vieram e permaneceram. Mas o Evangelho nos leva a uma pessoa, Jesus, e nos chama a segui-lo. A dinâmica é totalmente diferente e nos pede sempre para discernir a vontade de Deus em meio à vida. A fé cristã, segundo o Evangelho de Jesus, é um caminho diário, é um caminhar diário, uma resposta nova diante da vida. Como disse Jesus: ouvistes o que foi dito… eu porém vos digo!
Ao ler o Livro de Atos, sempre que se deparar com a palavra “Caminho”, grafada em maiúsculo, ela estará se referindo à fé em Cristo (At 19.9,23; 22.4; 24.14,22). Isso revela a natureza dessa fé. Ela é por natureza ligada à vida e não a um templo. Ela nos desafia a interpretar a existência e não somente o texto. Exige ouvir Deus e não apenas ler o Livro. E aprender a ouvir Deus pode ser desconfortável e pode exigir a desconstrução de conceitos e regras. É mais fácil agarrar-se à letra do que escutar o Espírito. As vezes com a Bíblia nas mãos simplesmente ignoramos a vida que está acontecendo diante dos nossos olhos e pensamos com isso estar seguindo o Caminho. Quando pensamos nossa fé em categorias de regras, posturas e afirmações, por mais que encontremos apoio nos textos bíblicos, a estaremos reduzindo a uma mera religião. Normalmente uma mera religião cria seu próprio deus e o confunde com o Deus revelado por Jesus. Cria um deus para quem, normalmente, o sábado é mais importante que o ser humano.
Toda fé que teme a vida, que prefere a segurança das afirmações de sempre e rejeita o risco de pensar, considerar e fazer perguntas, acaba fazendo as vezes do odre que envelhece. O odre velho rebenta-se porque perdeu a capacidade de expandir-se, algo exigido pelo vinho novo. O vinho do Evangelho, cheio de graça e amor, exige espaço. Espaço que os odres velhos não conseguem dar. Em muitos casos é por isso que pessoas já não cabem nas igrejas e igrejas parecem tornarem-se espaços que nada tem a ver com a cidade e pouco tem de vida. Parecem mais teatros que falseiam vidas sem crises, sem problemas, sem fraquezas e sem pecados próprios da condição humana. O vinho novo do Evangelho não se presta a esse papel. Ele nos pressiona a crescer, a ver mais adiante, a ser o que ainda não éramos ou não somos. Desafia-nos a amar, acolher, compreender e servir. Produz alegria e leveza sem nos pedir para esconder fraquezas. É novo. Dois mil anos depois continua novo. E jamais caberá em odres velhos!