O tamanho do nosso evangelho

“Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados.” (Provérbios 31.8)

Nosso problema não é o tamanho de nossa fé, é o tamanho de nosso evangelho. Todos concordamos que é missão da igreja proclamar a Mensagem da Cruz. Que é seu dever ensinar sobre a realidade espiritual e os propósitos eternos de Deus para o ser humano. Mas o Evangelho também proclama a chegada do Reino de Deus e nos faz parte dele. E isso produzirá, inevitavelmente, críticas e posicionamentos diante do que acontece no reino dos homens. O Evangelho e o Reino que ele proclama nos ordena cuidar e proteger os que sofrem. A leitura de Mateus 25 de 31 a 46 nos mostra Jesus ensinando que são as atitudes de cuidado, proteção, socorro e defesa daqueles que sofrem, as evidências de que o conhecemos. Mas parece que desidratamos o Evangelho de profetismo próprio do Reino de Deus. Ainda não entendemos o significado da centralidade do amor. Não há razão para pensamos que evangelizar seja unicamente tratar das questões espirituais e eternas das pessoas. Evangelizar envolve também agir em defesa da vida. É nossa missão lutar para que a Paz, a Shalon de Deus, se estabeleça. E ela se estabelece se há justiça, equidade, se lutamos pela proteção e direito de cada ser humano. Isso é cristianismo!

Este mês nosso país é chamado a lutar em face da violência e abuso contra crianças. É o Maio Laranja. Onde estamos nessa luta? É dever de todo aquele que afirma seguir a Cristo levantar sua voz. É dever da igreja participar. Estaremos pecando se um mal tão grande e ofensivo contra Deus for objeto do nosso descaso. Nossa espiritualidade também precisa ser caracterizada por ações proféticas, que denunciem e combatam o mal. E não apenas composta por cultos, orações e busca por conforto e segurança pessoal. Crer em Deus envolve muito mais. Como podemos orar a Deus e ao mesmo tempo ignorar a violência e o abuso contra crianças? Dizemos que somos a favor da família. Se somos, devemos conhece-la melhor e trabalhar para que seja uma benção e não uma maldição. Dados revelam que a violência e abuso sexual contra crianças é praticada majoritariamente por familiares próximos, incluindo pais/mães, padrastos/madrastas, tios/tias, avôs/avós, ou por amigos da família. Ou seja, o ambiente que deveria ser um lugar seguro revela-se a maior ameaça. É lamentável que tantas vezes sejamos tão imaturos, superficiais e irresponsáveis.

Em artigo publicado pelo coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington em São Paulo, Dr. Jefferson Drezett, é declarado que de 163 interrupções legais de gestação solicitadas, todas entre adolescentes menores de 14 anos vítimas de abuso sexual, 79,1% ocorreram dentro de famílias cristãs, das quais 29,4% declararam-se evangélicas. O estudo revela ainda que em 43% dos casos, a violência sexual ocorreu na própria residência das crianças, sendo que 36,8% foram resultado de uma relação incestuosa. Quantos abusadores frequentam nossos templos? Há algum atuando como voluntário em nossas áreas infantis? Ou liderando grupos de meninos ou meninas? Se essa não é nossa luta, jamais saberemos. E indiretamente contribuiremos para que haja mais vítimas. Entre 2011 e 2017 o Disque 100 recebeu 203.275 denúncias. E há quem afirme que apenas 10% dos casos são notificados. É nosso dever como cristãos ver e combater o mal e o pecado que destrói vidas e não apenas os pecados que escandalizam religiosos. O Evangelho é maior do que o que temos feito dele. Temo que estejamos praticando uma espiritualidade recreativa e egóica, que cega para a dimensão da missão, fruto de um evangelho reduzido. Que o Espírito Santo nos abra a os olhos, a mente e coração! Que isso mude!

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