Fatalidade, destino? Em julho de 94, primeira quinta-feira do mês, apesar da memória embaçada, pois já se passaram vinte seis anos do sequestro. Lembro uma frase “É insensato temer a morte, não porque ela aflige quando aparece, mas porque o aflige prevê-la através daquele medo instantâneo da violência na abordagem dos três marginais e o que sucederia. Foi uma quinta-feira ingrata, amanheceu com um céu sombrio e baixo, estava caindo uma chuvinha miúda.
A noite chegou demasiado cedo e nenhum relógio podia explicar o tempo da forma que vivi, que nem piscar podia, pois achava que ia morrer completamente sozinho, feito um mendigo. Era o início do plano real, abaixei a cabeça, na busca de moedas do guardador, e ouvi uma voz “É um assalto, passe para o banco de trás”, rapidamente pensei “o futuro já não é mais meu”, demorei de reagir, e tomei uma coronhada na testa, o sangue surgiu, mas com a adrenalina não senti.
O moreno de bigode sentou no carona, eu atrás do motorista, que era o mais gordinho, do meu lado um magrelo. O moreno com um 38 olhando para trás tinha os olhos fixos em mim. Uma corrente de ar frio se esgueirou no Gol azul claro quando o tiro atingiu o vidro trazeiro.
Em algum lugar fora do meu campo de visão um vigilante, que fazia segurança na Perine da Barra, atirou quatro vezes no carro. Fiquei olhando o magrelo ao meu lado, e ele disse: “Se um tiro acertar em mim, mato você.” Tive consciência de que, em última análise, percorremos sempre todos os caminhos, solitário, em todos os passos da vida. Talvez cada pessoa tenha sua trajetória na vida já determinada, como uma bola que, arremesada, segue uma linha certa, segundo a direção, o impulso e o efeito que lhe tenham sido dados, e nada pode fazer para alterá-los.
Só a vaidade nos leva a crer que podemos alterar o nosso destino. O gordinho que dirigia o Gol acelerou pela contramão e seguimos pela orla. Eles pegaram o saco de pão que tinha comprado e comeram. O de bigode examinava minha carteira. Estava ali num momento que não é fácil de traduzir em palavras. Talvez possa ser assim expressa: creio que, apesar do seu absurdo, eu me resignava com a realidade, a fé ficava para depois.
Até aquele momento pensava que morrer era um processo longo, negociado com o tempo, e que não estaria assim tão perto de mim, mas estava frente a uma circunstância inevitável, que poderia morrer.
Na cabeça dos assaltantes havia ideias misturadas, já que estavam sobre o efeito de drogas, que percebi nos olhos vermelhos, e pensei. “Estás drogas são um mundo cego, sem medo e sem responsabilidade com nada”.
Paramos em caixas eletrônicos posteriormente, abastecemos e terminamos no CIA, que é local de desova de cadáveres após assaltos.
Para mim, este dia foi uma queda desamparada no infinito do improvável, já que fiquei de joelho, com a arma apontada para a cabeça, mas graças a sensatez do magrelo, estou aqui contando está história.
*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe no site www.osollo.com.br.