O Homo sordidus e a involução na política

Arte: Ualdo Dutra

Nada pode ser mais inócuo do que manifestações contra a corrupção. Não que eu seja um defensor do status quo, pelo contrário, por mais nobre que seja uma aglomeração de manifestantes contrários à prática da corrupção; tal iniciativa é tão ineficaz quanto combater o terrorismo com hashtags em favor da paz. Afinal, a corrupção não é uma entidade parasitoide e autoconsciente, indubitavelmente que trata-se do efeito da ação lesiva de terceiros. Destarte, torna-se imprescindível para a eficácia de qualquer manifestação deste gênero “dar nomes aos bois”, ou seja, denominar peremptoriamente os alvos do protesto.

Por mais óbvio que possa ser, muitos ainda tendem a ignorar esse fato axiomático. Isso ocorre devido ao fenômeno que já descrevi em outras ocasiões que é a irremediável tendência do brasileiro em raciocinar metonimicamente, isto é, assim como no caso da figura de linguagem caracterizada pelo emprego de um termo por outro, tendo em vista a contiguidade existente entre eles, no qual é tomado a causa por seu efeito correspondente ou vice-versa, o brasileiro acaba por meio deste raciocínio metonímico inviabilizando qualquer manifestação ao combater o efeito (corrupção) ao invés da causa (os corruptos).

Todavia, pressões populares que antecederam ao Impeachment de Collor ou de Dilma obtiveram êxito por terem tido alvos bem definidos e não meras abstrações como intolerância, machismo e etc. Nesse caso os bois foram nomeados e abatidos no matadouro constitucional previsto nos artigos 85 e 86 da Carta Magna. Portanto, é uma condição sine qua non no combate à corrupção que o brasileiro recobre a percepção nítida da sequência ordenada da cadeia causal; não mais por meio de uma acronologia tarantinesca.

Deste modo, a corrupção tem nome, endereço, é multipartidária, dotada de diversas matizes ideológicas, se manifesta alternadamente entre a esquerda e a direita como o oscilante pêndulo do conto de Edgar Allan Poe; é mister que identifiquemos seus fomentadores a fim de lançá-los no deserto do ostracismo, como o bode de Azazel.

Entrementes, não é de se admirar que a política tenha adquirido um estigma indelével por conta do magnetismo que exerce sobre um perfil tão execrável quanto da majoritária classe política brasileira – atração essa devida as prerrogativas e as influências inerentes aos cargos em que ocupam –, que uma vez sendo um opróbrio recordar que compartilhamos do mesmo gênero ontológico, prefiro pensar que pertencemos a espécies distintas, no qual designo cada um desses indivíduos pela alcunha de homo sordidus (“homem sórdido”, em latim), por este se encontrar abaixo na escala evolutiva da moralidade. Infelizmente que diferente do neandertal, o homo sordidus está distante da extinção, dada as condições prósperas do seu habitat natural: casas legislativas, Esplanada dos Ministérios, secretarias, prefeituras, Palácio do Planalto etc.

Contudo, nesse safari institucional não necessariamente os mais fortes sobrevivem, e sim os mais vis, sendo capazes de empregar as táticas mais abjetas que seriam capazes de deixar até mesmo Frank Underwood perplexo. Ipso facto, muitos cidadãos airosos são repelidos da vida pública, seja por fastio ou por boicote; os poucos que persistem, não rara às vezes, se tornam vozes isoladas e silentes em meio a tribuna.

Tendo em vista o efeito corrosivo ocasionado por pessoas cujo Superego é tão deformado quanto uma aberração circense, torna-se absolutamente necessário extinguirmos o homo sordidus da vida política. Primus, por meio da mudança de paradigma do que venha a ser a atividade política, desvencilhando-a dos sinônimos negativos da qual ela está atrelada. Secundus, a desidratação do Estado, para o mínimo necessário que assegure a sua funcionalidade e concomitantemente reduzindo as vantagens próprias do exercício dos mandatos a fim de suscitar uma inapetência por parte do homo sordidus para com a vida pública. Tertius, como mencionado anteriormente, focalizar as pressões populares sobre indivíduos e não as direcionando contra conceitos abstratos, de forma intermitente a fim de assegurar a revitalização da atividade cívica.

Claro que tais proposições não são uma panaceia para o problema da corrupção, pois enquanto houver homo sordidus perambulando em meio à selva de aço e de antena, nossa evolução, assim como previsto na concepção darwinista, será demasiadamente lenta.

 

 

 

Luiz Oss

 

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