E o dia se estende aos meus pés.
Devo caminhar sobre o dia o mais possível e misturar-me às multidões aqui em Salvador que suam, que sobem e descem escadas, que andam de metrô, que fazem fila e esperam, que empurram, que enfrentam engarrafamentos, por isto é bom dormir cedo.
Deitar com um cansaço maior que o pensamento, e , sentindo uma espécie de sal dentro das pálpebras, descobri que os ruídos se estão distanciando. Acordo com a luz e os passarinhos da manhã. Vejo o relógio. Dormi quase oito horas, como todas as pessoas livres que prezam, acima de tudo, o direito de si mesmas.
Olho ao longo do dia que está começando. Um dia enorme, confortável. Não preciso correr. As horas são muitas. Posso escrever, nadar, receber, pagar, iniciar um tratamento dentário. O dia está lindo. É preciso manter a integridade das tendências. Comer, por exemplo. Comer frutas e saladas. Um homem afrontado, depois de uma comida saudável, é um homem mais próximo de suas purezas.
É terça-feira. Terça de manhã. Minha caneta escreve as velhas palavras de um texto novo, e o meu coração sente uma vez mais a emoção da escrita. Não existem mais palavras que expliquem o motivo de minha escrita. É um dia claro. Aflige-me a violência diária, os assaltos, a pobreza, ao olhar as multidões.
Não há culpa ou causa comum. Cada qual carrega o seu deserto, seu calvário particular, porque na angústia, no fundo da grande angústia, há uma interrogação, um estágio de lânguido torpor como o do ópio.
E no ambiente entre as cabeças inclinadas nos metrôs e nos ônibus continua aquela tensão aérea-humana, perceptível, agora estranhamente silenciosa com destino a seus postos de trabalho, o branco ofuscante do sol batendo no asfalto, e o azul do céu se incorporando à paisagem, em uma espécie de fusão panteísta.
O dia dos trabalhadores são ritmados pelas oito horas de trabalho. Uma experiência solitária, mas intensa, longe do câncer do desemprego e seus rostos anêmicos.
João Misael Tavares Lantyer