O caso raro do americano que entrou na puberdade aos 2 anos

Drogas, expulsão da escola e prisão

O caso raro do americano que entrou na puberdade aos 2 anos
Aos 13 anos, Patrick Burleigh já havia sido expulso de duas escolas e preso. Foto: Arquivo pessoal

Entrar na puberdade nunca é algo fácil. As mudanças no corpo, pelos que surgem em lugares estranhos, oscilações de humor. Agora, imagine enfrentar isso aos 2 anos de idade.

Foi o que aconteceu com Patrick Burleigh, que tem uma condição hereditária conhecida como puberdade precoce. Ele explica que, em seu caso, trata-se de um tipo raro transmitido entre os homens de sua família há gerações.

A testotoxicose é causada por mutações do gene do receptor LH, responsável por ativar a ovulação em mulheres e a produção de testosterona em homens. Essa mutação faz com que os testículos comecem a produzir testosterona muito cedo.

É uma condição tão rara que não se sabe ao certo quantas pessoas no mundo são por ela afetadas. Estima-se que sejam ao todo mil casos. Ao nascer, Burleigh tinha 50% de chance de herdá-la. “Quando tinha 2 anos e meus primeiros pelos pubianos surgiram, não foi uma surpresa”, diz ele, que hoje tem 34 anos.

Ele conta que, aos 3, tinha os níveis de testosterona de um adolescente de 14 anos. Ele se recorda de sentir-se deslocado quando criança, por ser maior do que outros meninos de sua idade, já que sua condição o fez crescer mais rápido e, aos 5 anos, ter o corpo de um menino de 10. “Não me encaixava na escola e no mundo em geral. Isso marcou minha infância desde muito cedo.”

Burleigh se recorda de um episódio quando ele tinha 4 anos e sua mãe o levou para as aulas de natação. Ela entrou com ele no banheiro feminino para colocar nele suas roupas de banho.

Patrick Burleigh
Patrick Burleigh com 3 anos, quando tinha níveis de testosterona semelhantes aos de um adolescente. Foto: PATRICK BURLEIGH

“Como tinha pelos pubianos e parecia ser muito mais velho, uma mulher repreendeu minha mãe, gritou com a gente e nos envergonhou. Minha mãe tentou explicar, mas as pessoas geralmente não acreditavam por ser algo muito raro e estranho”, conta Burleigh.

Ele diz que essa situação sempre foi muito difícil para sua mãe. “Ela era minha primeira linha de defesa, e isso era algo bastante estressante e a abalava emocionalmente.”

Burleigh conta que, mesmo que seu pai também tivesse essa mesma condição, ele não foi um ponto de apoio durante essa experiência. “Por uma série de razões, sua infância foi bem traumática, então, ele não queria falar disso e nunca sentou comigo quando eu era criança para me explicar o que eu estava sentido e como lidar com aquilo.”

O tratamento

Os pais de Burleigh buscaram ajuda médica quando ele tinha cerca de 2 anos. Sua mãe soube por um anúncio de jornal que cientistas estavam recrutando participantes para um estudo sobre essa mesma condição.

Sua mãe entrou em contato, e ele passou a ficar uma semana no hospital a cada semestre para participar do estudo e receber em troca tratamento gratuito. “Foi bom, porque não tínhamos muito dinheiro”, diz Burleigh.

“Eles faziam uma série de exames. Mediam meus testículos para saber minha idade fisiológica. Era incômodo, mas me acostumei. Só me deitava na maca e deixava me examinarem. Ser diferente e estar constantemente sendo analisado, fosse no hospital ou no mundo real, tornou-se algo comum.”

Patrick Burleigh
Patrick Burleigh com seus colegas do time de beisebol; ele sempre aparentava ser mais velho que os colegas. Foto: Patrick Burleigh

Ele conta que fez parte do primeiro grupo de meninos com testotoxicose a receber tratamento médico e medicamentos para o problema. “Eles testavam coquetéis de drogas e só conseguiram encontrar um que funcionasse bem quando tinha 8 ou 9 anos.”

Mas isso significava tomar uma grande dose de remédios e, por um longo período, receber uma injeção na perna todas as noites. A combinação de drogas desacelerou o processo de amadurecimento do seu corpo, mas Burleigh diz que a solução chegou “um pouco tarde demais”.

Drogas, expulsão da escola e prisão

Nesta época, diz Burleigh, ele se comportava como uma criança e um adolescente ao mesmo tempo. “Não tinha controle dos meus impulsos, então, era agressivo. Mas como era grande e peludo, implicavam comigo, e minha reação era sempre brigar.”

Burleigh se meteu em muitas encrencas no ensino básico e acabou sendo rotulado como uma criança-problema. Ele diz que isso foi frustrante, porque não queria ser visto desta forma, mas acabou incorporando esse papel. “Comecei a fumar aos 9 anos, a fazer pichações, a fumar maconha. Isso foi se tornando uma bola de neve.”

Aos 12 anos, o hospital concluiu que seu corpo e sua idade haviam entrado em sintonia, e seu tratamento foi interrompido. Ele parou de tomar os medicamentos sem um período de transição, e, sem as drogas que funcionavam como uma barragem para a testosterona em meu corpo, todos aqueles hormônios contidos por anos foram liberados de uma vez em seu corpo. “Isso amplificou aquele meu padrão de mau comportamento. As coisas pioraram.”

Nesta época, ele se envolveu com uma adolescente de 17 anos que havia fugido de casa e estava morando com um traficante. Burleigh conta que ela ligou certa noite e disse que tinha conseguido um pouco de LSD, uma droga alucinógena ilegal, e perguntou se ele queria. Ele comprou, esperou seus pais dormirem e tomou uma dose dupla.

“Tive uma noite terrível e disse aos meus pais no dia seguinte que estava doente e não queria ir à escola, mas eu ainda estava sob o efeito do LSD. Eles não acreditaram em mim, porque eu tinha um histórico de matar aula e fingir estar doente, então, eles me obrigaram a ir.”

Burleigh ainda tinha uma dose de LSD e a levou para a escola – isso se provou uma péssima decisão. No almoço naquele dia, ele ofereceu a droga ao amigos, que recusaram. Mas um deles achou que seria uma boa ideia colocar na bebida de alguém.

“Uma hora depois, estava na aula quando a minha amiga que tomou o LSD sem saber e entrou em desespero, me abraçou e começou a chorar porque não entendia o que estava acontecendo. Ela foi levada para a enfermaria, e contei o que tinha feito. Ela foi levada para o hospital, e eu fui preso.”

Burleigh se recorda de sair da escola algemado em frente de todos os alunos e ser levado para a delegacia. Ele foi expulso e proibido de estudar em qualquer instituição do mesmo distrito escolar. Seus pais o mandaram para uma escola militar a milhares de quilômetros de distância de casa, mas acabou sendo expulso de lá também.

A virada

Mas as coisas começaram a melhorar quando ele tinha 14 anos e começou a cursar o ensino médio em uma escola perto de casa, onde se sentiu mais confortável em meio aos seus colegas.

“Eu não me destacava mais. Isso, junto com o fato de meus hormônios terem se estabilizado e eu finalmente ter a aparência certa para minha idade, me fez perceber que não queria mais levar aquela vida, que não estava me fazendo feliz.”

Ele se afastou de uma série de amigos, começou a estudar e a praticar esportes e decidiu que queria ir para a faculdade. “Passei a negar meu passado. Não falava de minha puberdade precoce, que tinha sido preso. De certa forma, passei a lidar com meu trauma e minha vergonha da forma como me comportei do mesmo jeito que meu pai.”

Ele foi para uma boa universidade, onde tornou-se um atleta e teve um bom desempenho acadêmico. “Criei uma nova identidade para mim.”

Patrick Burleigh
Patrick aos 13 anos, com um amigo da mesma idade; foi só na universidade que ele conseguiu ‘criar uma nova identidade’ para si mesmo. Foto: Patrick Burleigh

Burleigh tornou-se um escritor, e essa profissão o fez revisitar seu passado. Ele passou a falar sobre sua infância com amigos próximos e sua namorada, Meredith, com quem viria a se casar. Ele percebeu então que era infundado seu medo de que as pessoas o julgariam e reagiriam da mesma forma de quando era criança.

“Fiquei surpreso. As pessoas reagiam com compaixão, demonstravam interesse, e foi uma catarse falar sobre o assunto, senti como se fosse um processo de cura. Foi bom parar de me esconder.”

Neste processo, ele decidiu pesquisar sobre como seu avô e seu bisavô haviam enfrentado essa condição, mesmo diante da resistência de seu pai de falar do assunto. Assim, descobriu que seu bisavô foi o mais jovem soldado americano na Primeira Guerra Mundial, porque aparentava ter 20 anos quando na verdade tinha metade desta idade.

“Ele fugiu de casa e se alistou com outro nome. Foi mandado para o front, e seu primeiro trabalho foi ser motorista de altos oficiais, o que era algo doido, porque ele sequer tinha idade para dirigir. Mas acho que isso não foi excitante suficiente para ele.”

Burleigh conta que seu bisavô fugiu para Paris e foi a muitos bordéis. Acabou sendo descoberto, levado à corte marcial e mandado de volta para a guerra.

“Ele ficou bêbado com amigos, eles pegaram um avião de carga e sobrevoaram a região que separava as tropas francesas e alemães. Quando pousou, foi mandado de volta à corte marcial e para o front, onde ele sofreu envenenamento por gás mostarda e foi levado para o hospital.”

Só então foi descoberto que o bisavô de Burleigh tinha na verdade 13 anos de idade e não 22 como pensavam. O jovem soldado foi mandado de volta para os Estados Unidos. “Aos 14 anos, ele já tinha vivido mais do que muitas pessoas em toda sua vida.”

Seu avô também tinha a mesma condição e, em torno dos 10 anos, fugiu de casa e foi parar no Canadá, onde se juntou à guarda da fronteira aos 12 anos. “Temos um histórico de passar por alguém mais velho, porque é mais fácil dizer que você tem a idade que aparenta ter.”

O dilema

Hoje, Burleigh tem um filho, um dos motivos pelos quais diz começado a tratar mais abertamente sua condição. Ele e sua mulher fizeram fertilização in vitro e souberam que poderiam fazer exames nos embriões para saber se eles tinham a mesma mutação e eliminar os que dessem resultado positivo. Assim, ele seria o último de sua família a ter testotoxicose.

Diante da sua infância difícil, ele diz que esta poderia parecer uma escolha óbvia. “Mas meu pai me ligou e disse que confiava em mim para criar um filho com essa condição.”

Burleigh diz que interpretou isso como uma forma de seu pai dizer que, mesmo diante dos problemas causados pela puberdade precoce, ele não teria mudado nada. “Isso foi chocante, porque veio de alguém que não falava sobre o assunto. Fiquei emocionado, porque, pela primeira vez, meu pai estava se abrindo comigo, e isso nos conectou.”

Assim, o escritor concluiu que, se seu filho tivesse esta condição, ele e Meredith estariam preparados para lidar com a situação. “Há coisas boas que vieram disso. É como diz o ditado: ‘O que não te mata, te fortalece’. De certa forma, ter puberdade precoce me fez ter compaixão por pessoas que fogem ao normal, uma confiança de que posso superar dificuldades.”

Fazer aquela escolha seria como rejeitar uma parte essencial de si mesmo, concluiu Burleigh. Então, ele e Meredith decidiram não fazer os exames. No fim das contas, seu filho não herdou a condição. Hoje, tem 4 anos.

“Ele dá muito trabalho. Não consigo imaginar como seria se ele também tivesse puberdade precoce. Não passa um dia sem que eu e minha mulher não digamos de brincadeira: ‘Onde a gente estava com a cabeça quando tomou aquela decisão?’. Escapamos de uma boa.”

Fonte: BBC

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