É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada” ( Patativa do Assaré, 1909 – 2002).
É comum, muitas vezes, no contato corriqueiro do dia a dia, se comentar sobre o sucesso que muitos demonstram, ora dirigindo uma organização empresarial, ora liderando pessoas, todos com experiências exitosas na vida, de grande influência e significado social; mesmo desprovidos de diplomas escolares, por questões ou oportunidades alheias à vontade ou condição de cada um, e que souberam abrir janelas o suficiente para otimizar sua inteligência e potencialidades.
Não se sentaram à beira do caminho ou se enfileiraram, como outros, no muro das lamentações. Venceram por suas dinâmicas e, mais que isto, se tornaram exemplos dignos de relevância nas comunidades a que pertencem, apenas cursando a boa escola da vida!…
Estas considerações têm muito a ver com o propósito de desmitificar observações inoportunas e preconceituosas daqueles que não veem o argueiro no próprio olho e se julgam capazes de reconhecer o que incomoda a visão do próximo. Será que o saber decorrente da experiência do homem não significa um bem cultural mais que valioso, apenas porque o seu portador não domina a escrita e os códigos de comunicação que a escola, formalmente, propicia?
Há muitos, nos meios urbano e rural desta Bahia e Brasil, que “escrevem errado a coisa certa”, porque educados de maneira informal desenvolveram suas habilidades praticamente às próprias custas e que são acatados e respeitados em suas ações.
Não se pretende aqui apenas aureolar com signos dourados, ou referenciar com louros o sucesso de uns que superaram dificuldades – mesmo quando os desafios se demonstravam aparentemente insuperáveis pelos meios disponíveis –, já que o propósito, no caso, é de outra natureza. Na análise do cotidiano, o que afirmar daqueles que tiveram a escola disponibilizada ao longo da vida e que detêm, inclusive, titulação superior, porém com tremenda mácula, pois “escrevem certo a coisa errada”!
Patativa do Assaré, poeta matuto, como outros ilustres poetas sertanejos que nunca “esquentaram” os bancos escolares, são exemplos de inteligências brilhantes que legaram saberes da melhor qualidade a quantos se disponham a lê-los, traduzindo sentimento e realidade do povo brasileiro, em linguagem não erudita e verdadeiramente popular que a todos encanta.
É, quem sabe, o produto da magia que a educação (formal ou não) e tão somente ela é capaz de construir num processo transformador do homem sobre si mesmo e sobre o mundo em que vive, causando admiração e respeito e, como já afirmado, na cidade, no campo, em qualquer lugar!
Que tal um pouco da simplicidade poética de Patativa do Assaré, um dos maiores do Brasil, em sua obra “O Peixe”, a seguir.
O PEIXE
Tendo por berço o lago cristalino,/ folga o peixe a nadar todo inocente.
Medo ou receio do porvir não sente,/ pois vive incauto do fatal destino.
Se na ponta de um fio longo e fino/ a isca avista, ferra-a inconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,/ preso ao anzol do pescador ladino.
O camponês também do nosso Estado,/ ante a campanha eleitoral: Coitado./ Daquele peixe tem a mesma sorte.
Antes do pleito: festa, riso e gosto./ Depois do pleito: imposto e mais imposto…/ Pobre matuto do Sertão do Norte.
Quem tem dúvidas da atualidade dessa “pescaria” e “do peixe”?
E pensar que Patativa do Assaré, além de cego de um olho, pouco frequentou de escola e jamais concluiu sequer o curso primário, causando a todos extremada admiração pela obra construída. Por isso, e quem sabe também pela grandeza do seu pensar e do seu labor poético, tenha recebido o título de Doutor Honoris causa por Universidade no seu Estado natal, o Ceará.
Reflita-se, pois, sobre os matizes do saber e da Educação!