Levantamento pioneiro mostra que a mulher brasileira é prisioneira de uma cultura que vê a evacuação como algo ruim, aliado a isso a hidratação insuficiente e a alimentação sem fibra a tornam vítima da prisão de ventre
Não basta tomar um iogurte todos os dias. Para enfrentar a prisão de ventre – problema que atinge duas em cada três mulheres brasileiras – é preciso mais que isso. Foi o que mostrou um estudo pioneiro realizado pela Federação Brasileira de Gastroenterologia(FBG), que ouviu mulheres em todo o país.
Os impactos da constipação intestinal repercutem diretamente na qualidade de vida desse público, que sofre com sintomas como o inchaço, sensação de peso, gases e prisão de ventre, atingindo todas as classes sociais e regiões do país, sem distinção. As participantes da pesquisa consideram o problema angustiante, o que culmina em constrangimento extremo nos níveis pessoal e social. Ainda, de acordo com as declarações, 72% dos problemas intestinais costumam prevalecer durante semana, principalmente por conta da dificuldade no uso do banheiro fora de casa.
O estudo também revelou que as principais causas para os problemas intestinais são a alimentação não balanceada, estresse e falta de atividades físicas, além da ansiedade e a rotina intensa de trabalho. Estima-se que a incidência de constipação intestinal é quatro vezes maior nas mulheres do que nos homens. Isto está diretamente relacionado a questões alimentares e de saúde, e também sociais e culturais. Cerca de 69% das entrevistadas afirmaram que o problema afeta o humor e 57% dizem que a prisão de ventre afeta a vida sexual.
De acordo com o gastroenterologista e professor titular de Gastroenterologia e Cirurgia Digestiva da Pontifícia Universidade Católica (PUC- Campinas) Flávio Quilici, muitas mulheres encaram a prisão de ventre e suas repercussões como uma coisa normal porque desde muito cedo foram educadas para enxergar as fezes como algo ruim, nojento, capaz de transmitir doenças. “As mulheres são educadas para não expelir gases, evacuar com extrema privacidade como se isso não fosse normal e natural, o resultado é que esse treino bloqueia e traumatiza”, pontua o médico, destacando que muitas só conseguem evacuar em casa e nunca em outros lugares ou em banheiros públicos.
“Tenho relatos de pacientes que ficam mais de uma semana sem ir ao banheiro quando estão fora de casa, especialmente a trabalho, por mais que estejam hospedadas em locais bons e limpos”, diz o médico, ressaltando que também existem outras que só conseguem evacuar nos finais de semana quando folgam e estão em casa.
Chamado
Além da cultura que impede que as mulheres atendam aos chamados intestinais e respeitem os horários e o funcionamento do intestino, a pesquisa da FBG também destacou o pouco tempo que as mulheres dispõem para cuidar de si mesmas. “As múltiplas funções dificultam que as mulheres atentem para outras necessidades fisiológicas como beber água com frequência, comer bem e descansar”, completa o médico.
A coloproctologista Fernanda Coelho diz que cada indivíduo é único, mas que a medicina considera que o funcional é que as pessoas evacuem até uma vez a cada dois dias, desde que não apresente dor ou dificuldade no processo. “Beber muita água, manter uma dieta rica em fibras, com frutas, verduras e folhosos, reduzir a gordura são medidas que favorecem não apenas o bom funcionamento intestinal, mas a saúde de um modo em geral”, completa. No caso específico da ingestão de água, a recomendação é que ele contemple de 2 litros por dia, sempre evitando grandes quantidades durante as refeições porque há uma dilatação das paredes do estômago.
Outra dica importante é a redução do consumo de sal para evitar a retenção de líquidos. O ideal é mastigar devagar para que o cérebro tenha tempo para registrar a informação de saciedade enviada pelo trato gastrointestinal. A sugestão ajuda, inclusive, a comer menos.
Bactérias
Além de atender aos chamados intestinais, se hidratar bem e adotar uma dieta saudável, o médico Flávio Quilici lembra a importância do uso dos probióticos e prebióticos. Os probióticos são micro-organismos vivos que, ao serem ingeridos, beneficiam o organismo porque atuam sobre o equilíbrio bacteriano intestinal, controlando o colesterol, os quadros de diarreias, além de ajudar a reduzir o risco de câncer.
Já os prebióticos são fibras não digeríveis que funcionam como alimento para as bactérias intestinais benéficas e podem ser facilmente encontrados em alimentos de origem vegetal, como cebola, alho, tomate, banana, cevada, aveia, trigo, mel e cerveja.
“Os probióticos podem ser consumidos por quaisquer pessoas e as marcas disponíveis no mercado são liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa), uma vez que são suplementos alimentares e não medicamentos”, explica, ressaltando que na Europa, por exemplo, a presença de probióticos adicionados aos produtos alimentares é comum. A ressalva no consumo dos probióticos é feita apenas para pessoas com quedas imunológicas significativas.
Fonte: Carmen Vasconcelos/Correio