Memória

Memória

A última memória de meu pai, após a queda, e após a primeira intervenção no cérebro, foi quando ele disse no hospital “vamos para casa”. Mas em casa, voltou logo ao hospital devido a novo sangramento, e tudo se apagou, com quase nove anos, sem interagir, foi como desligar um interruptor de luz. Tive medo de me afogar na profundeza infinita do meu pesar. “São coisas que acontecem”, pela primeira vez na vida, eu que como Engenheiro sempre vivera no mundo de explicações racionais, tive que ficar satisfeito com a resposta. Afinal de contas, sempre que os médicos tinham um “motivo” para alguma coisa, ele era devastador.

Destino, azar, probabilidade, qualquer um deles parecia uma pausa bem-vinda para um diagnóstico funesto. Agora, quando meu computador desse pau, ou estourasse um cano na cozinha, eu diria: “São coisas que acontecem”. Mas lembrei de outra frase uma
frase que estava muito em moda: “Nada neste mundo acontece por acaso”.

Agora passo pelo processo de esquecimento de minha mãe, hoje com oitenta e cinco anos, lento e gradativo, como entrando em um túnel e a luminosidade desaparecendo gradualmente. Ela não pode fazer planos sozinha e não pode sair pra conhecer outra pessoa.

É difícil enxergar o que ainda se tem, e dar valor, quando você está perdendo a memória.
Ela que é tão vaidosa, não lembrava quando tinha se olhado no espelho pela última vez. Desde pequena, ela se habituou a andar bem arrumada. Não porque sua mãe mandasse, isso também, mas pelo gosto de agradar e de ver – se / sentir se atraente. Ela era uma garota realmente bonita.

Mas a perda da memória acaba com tudo, vaidade, o sentido de beleza dela. Permaneço em silêncio, com a vista perdida no negrume do horizonte, quando acompanho esta perda de memória, vendo a fragilidade da vida, sabendo que para ela à frente, se projeta a imensidão do deserto de sua memória. A história da vida dela com meu pai passou veloz por mim, assim como ela já passou veloz por ele. Se o futuro dela sumiu, eu tenho que lidar com um livro não escrito e um corpo em falência, está é a lei da vida.

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