O ministro Dias Tóffoli pediu nesta quinta-feira vista do processo sobre foro privilegiado. Com isso, a decisão final foi adiada. Não há data para o julgamento ser retomado. Sete dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votaram para que a Corte julgue apenas processos sobre crimes cometidos por congressistas no exercício do mandato, por fatos diretamente relacionados à função pública.
— Este tribunal trabalha, este tribunal investiga. Não pratica impunidade —disse Tóffoli, ao defender a atuação do Supremo na investigação de crimes comuns de autoridade, antes de pedir vista.
Para justificar seu pedido de vista, Toffoli lembrou que o Congresso Nacional está discutindo no momento uma Emenda Constitucional que revoga o foro especial para todas as autoridades, com exceção dos presidentes dos Três Poderes. Barroso disse inclusive que o ideal seria o Congresso Nacional decidir a regra do foro antes do STF:
— Tem uma frase boa do Martin Luther King que eu gosto de citar: “É sempre a hora certa de fazer a coisa certa”. Portanto, eu acho que, se o Congresso, por Emenda Constitucional, cuidar dessa matéria e cuidar de uma maneira positiva, eu acho muito bom. Acho até que, num estado democrático, é melhor que essas decisões sejam tomadas no Congresso mesmo.
De acordo com a proposta do relator, ministro Luis Robertro Barroso apoiada pela maioria dos ministros, ao fim do mandato, a investigação aberta na corte seria transferida para a primeira instância do Judiciário. Isso só não aconteceria se a ação penal já estiver totalmente instruída, pronta para ser julgada. A medida serviria para evitar adiar a conclusão do processo. O relator disse em plenário que a proposta dele valia apenas para parlamentares federais. Ao deixar a corte, no entanto, ele afirmou que a regra poderia ser estendida a todas as autoridades. O alcance da proposta só deve ser definido ao fim do julgamento.
Os crimes praticados antes da pessoa ser eleita para o Congresso Nacional não seriam processados no STF, mas em varas criminais comuns. Ou, ainda, em outros foros, se o político estiver no exercício de outro cargo na época do delito. Por exemplo, governadores são processados e julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, os crimes comuns praticados por parlamentares também ficariam fora do STF. Se, por exemplo, um senador for acusado de violência doméstica, o processo será conduzido na primeira instância.
Atualmente, qualquer crime envolvendo deputados federais e senadores, cometido antes ou durante o mandato, é julgado apenas no STF. Quando o político se elege para esses cargos, eventuais processos já abertos contra ele em outras instâncias são transferidos para a corte.Pela proposta que está vencendo em plenário, isso não vai mais acontecer.
A proposta de mudança foi feita pelo ministro Luís Roberto Barroso em plenário em maio. Na época, três ministros concordaram com ele: Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello. Hoje, mais três engrossaram o time: Edson Fachin, Luiz Fux e Celso De Mello.
A discussão foi retomada nesta quinta-feira com o voto de Alexandre de Moraes, que havia interrompido o julgamento com um pedido de vista na sessão de maio. Hoje, ele defendeu que parlamentares sejam investigados no STF apenas por crimes cometidos ao longo do mandato. Mas, ao contrário de Barroso, ele declarou que essa prerrogativa poderia ser usada inclusive para crimes comuns, mesmo que não tenham relação com o mandato.
— Aquele que cometeu crime antes de ser parlamentar não sabia se seria parlamentar. Não há aqui a meu ver a finalidade protetiva (do exercício do mandato parlamentar) — disse Moraes.
Na avaliação de Moraes, não há como fazer uma distinção dos crimes com relação com o mandato e aqueles sem ligação.
— Não há aqui margem para que se possa dizer que infrações penais comuns, que não sejam crimes de responsabilidade, praticadas por deputados e senadores não sejam de competência do Supremo Tribunal Federal — disse Moraes, concluindo: — Entendo que só por emenda constitucional é possível essa alteração.
O ministro foi além do voto de Barroso em outra questão. Ele pediu o cancelamento da súmula 704 do STF, que permite pessoas sem foro serem investigadas no STF quando os supostos crimes tiverem relação com aqueles cometidos por quem tem foro. Só poderiam continuar sendo investigados em conjunto caso haja crimes indivisíveis, como uma organização criminosa.
— Se pegarmos os inquéritos por crimes cometidos por parlamentares durante o exercício do mandato, se pegarmos os fatos conexos, eles dão 7 vezes mais trabalho do que o próprio parlamentar. Só que essas pessoas não têm foro no STF — afirmou Moraes.
Ele também destacou que a morosidade da justiça criminal brasileira não se limita ao STF.
— O que menos se julga no Brasil, a maior desfuncionalidade é na questão do júri, dos homicídios. Nem 3% dos homicídios são julgados. É um problema sistêmico. Não é somente do Supremo Tribunal Federal —- disse o ministro.
Moraes elogiou o trabalho da Justiça Federal, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal em Curitiba, responsáveis pelos processos da Operação Lava-Jato. Mas destacou que a realidade deles não é igual à toda a primeira instância brasileira.
— Diferentemente do que várias vezes é propagado, não há nenhuma dúvida do grandioso, belíssimo trabalho que vem sendo feito em Curitiba, tanto pela Procuradoria, quanto pelo juiz (Sérgio) Moro, como pela Polícia Federal. Mas sabemos que trabalham em situações especialíssimas. Não podemos comparar com a primeira instância do país todo — avaliou Moraes.
Durante o voto de Moraes, o ministro Gilmar Mendes fez alguns apartes para ressaltar que o problema é do sistema como um todo. O ministro destacou que processos na primeira instância, quando não acompanhados pela imprensa, não andam. Ele citou Eliana Calmon, ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo Gilmar, Eliana dizia que ações de improbidade – que não são ações criminais e podem tramitar na primeira instância – contra políticos do Rio não andavam. Isso indicaria um compadrio entre juízes e políticos do estado.
— O que há de verdade é um colapso do sistema como um todo – disse Gilmar, concluindo: — Essa é a realidade. E não há nenhum projeto de reforma da justiça criminal. É interessante quando se faz esse contraste e não se examinam todos os pontos.