Instituição fundada por Dom João 6º em 1818 possuía quinto maior acervo do mundo, com mais de 20 milhões de peças, e era referência para pesquisadores das mais diversas áreas.”Todos que por aqui passem, protejam esta laje, pois ela guarda um documento que revela a cultura de uma geração e um marco na história de um povo que soube construir seu próprio futuro.” Após o incêndio que destruiu o Museu Nacional neste domingo, a frase inscrita em lápide na entrada do local soa como um grito de socorro.
Com 20 milhões de peças e documentos, tratava-se do quinto maior museu do mundo em acervo. Suas obras contavam uma parte importante da história antropológica e científica da humanidade. Talvez o exemplo mais emblemático seja o fóssil com mais de 11 mil anos de Luzia, a mulher mais antiga das Américas, cuja descoberta nos anos 1970 reorientou todas as pesquisas sobre a ocupação da região.
Ali também estava a reconstrução do esqueleto do Angaturama Limai, o maior dinossauro carnívoro brasileiro, com quase todas as peças originais, algumas com 110 milhões de anos. O sarcófago da sacerdotisa Sha-amun-em-su, mumificada há 2.700 anos e presenteada a Dom Pedro 2º em 1876, nunca tinha sido aberto. A coleção de múmias egípcias e a de vasos gregos e etruscos evidenciam o perfil transfronteiriço do acervo, que também abrigava o maior conjunto de meteoritos da América Latina.
Menos de 1% dessas obras estava exposta ao público. Centro de pesquisa e pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Museu Nacional é uma referência para pesquisadores das mais diversas áreas, como etnobiologia, paleontologia, mineralogia, antropologia, entre outras.
“Tudo isso traz junto a destruição das carreiras de cerca de 90 pesquisadores que dedicavam a sua vida profissional dentro daquele espaço. Todo o arquivo histórico, que estava armazenado em um ponto intermediário do prédio, foi destruído. São 200 anos de história que se foram”, disse à GloboNews Luiz Fernando Dias Duarte, diretor-adjunto da instituição.
Em junho, a direção do Museu tinha garantido um investimento de 21 milhões de reais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a revitalização do prédio histórico, incluindo o acervo e espaços de exposição. Uma parcela do dinheiro seria liberada antes, para viabilizar a retirada de produtos inflamáveis do prédio, como animais mantidos em frascos com álcool e formol. De acordo com o diretor-adjunto, parte desse acervo inflamável já tinha sido retirado, mas outra parte ainda estava no interior do museu. Procurava-se um local adequado para armazenar esse material até que o prédio fosse reformado.
O incêndio começou por volta de 19h30, quando o prédio já estava fechado para visitantes. Segundo o Corpo de Bombeiros, não houve vítimas. O museu fica abrigado no Palácio de São Cristóvão, que abrigou a família real portuguesa quando veio para o Brasil em 1808 e, desde a proclamação da independência, em 1922, a família real brasileira. Foi justamente no dia 2 de setembro – tal como neste domingo – que a princesa regente Leopoldina assinou, no palácio, o decreto que viria a separar o Brasil de Portugal. Dom Pedro 1º estava em São Paulo e só faria a proclamação oficial cinco dias depois.
O palácio integra a Quinta da Boa Vista, na Zona Norte do Rio, que atualmente funciona como um parque municipal. De acordo com apuração da Folha de S. Paulo, os bombeiros tiveram que utilizar a água do lago que há no local para combater o fogo, além de um caminhão-pipa, porque os hidrantes próximos ao edifício estavam sem água.
Há apenas dois meses, o museu tinha celebrado 200 anos de sua criação. Em homenagem ao aniversário de dois séculos, foi tema do enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense no Carnaval deste ano. Apesar do prestígio, a primeira instituição científica do Brasil vinha sofrendo cortes em seu orçamento nos últimos anos – desde 2014, não recebia a verba de 520 mil reais anuais necessária para sua manutenção.
Naquele ano, em que as atenções estavam voltadas para as arenas milionárias da Copa do Mundo, foram repassados 427 mil apenas. Nos anos seguintes, 257 mil em 2015, 415 mil em 2016, 246 mil no ano passado e apenas 54 mil até abril deste ano. Sua estrutura apresentava sinais visíveis de má conservação, como fios elétricos expostos e paredes desencascadas.
Conforme novas informações sobre o incêndio eram veiculadas no noticiário, aumentava a comoção nas redes sociais. O assunto virou trending topic mundial do Twitter, com 553 mil menções até o início da madrugada desta segunda-feira. As críticas se dirigiam ao descaso com o patrimônio. Internautas lembravam que o valor necessário para manter o espaço anualmente era inferior ao custo de um juiz do Supremo Tribunal Federal aos cofres públicos, ou dez vezes o teto do auxílio-moradia.
A emenda constitucional que congelou por 20 anos os investimentos públicos também foi muito atacada. O baixo valor repassado ao museu neste ano era associado por muitos à limitação orçamentária imposta pela lei, e muitos apontavam a tragédia como o início de um período de abandono do patrimônio público e serviços essenciais.
As estruturas da UFRJ foram alvo de sucessivos incêndios nos últimos anos. Em 2011, na capela do campus da Praia Vermelha; em 2012, na Faculdade de Letras; em 2014, no Centro de Ciências da Saúde; em 2016, no prédio da reitoria e, em 2017, no alojamento estudantil.
Um levantamento do portal G1 mostra que, desde 2013, 90% das 63 universidades federais operam com perdas reais de orçamento. Nesse período, o repasse total garantido pelo Ministério da Educação encolheu 28,5%. A reitoria da universidade já reclamava, em agosto do ano passado, que os sucessivos cortes de verbas desde 2014 afetam gravemente o funcionamento da universidade.
O presidente Michel Temer afirmou que a perda do acervo é incalculável para o Brasil. “Hoje é um dia trágico para a museologia de nosso país. Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode mensurar, pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o Império. É um dia triste para todos brasileiros”, postou em sua conta no Twitter.
O Ministério da Educação informou em comunicado que “lamenta o trágico incêndio ocorrido neste domingo no Museu Nacional do Rio de Janeiro, criado por dom João 6º e que completa 200 anos neste ano. O MEC não medirá esforços para auxiliar a UFRJ no que for necessário para a recuperação desse nosso patrimônio histórico”.
Em suas páginas nas redes, pesquisadores do Museu criticaram a declaração do ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, apontando a impossibilidade de recuperar o acervo destruído pelo fogo. “Já falei com o presidente Michel Temer e com o ministro da Educação. Amanhã (segunda-feira) vamos começar a fazer o projeto de reconstrução do Museu Nacional. Para ver quanto é e como viabilizar”, declarou.
Técnicos da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros fazem, na manhã desta segunda-feira (3), uma inspeção no Museu Nacional, que foi destruído pelo fogo. Eles vão calcular o tamanho dos estragos e descobrir se alguma peça ainda pode ser salva.
Sabe-se que o meteorito Bendegó foi uma das poucas peças de todo o acervo que resistiu às chamas. A pedra, que pesa 5,6 toneladas, foi achada em 1784 perto de um riacho no interior da Bahia e levou quase um ano para chegar ao Rio. O meteorito foi levado para o Museu Nacional a mando do Imperador Dom Pedro II em 1888 e permaneceu no local desde então.
Compilação Terra, Uol e G1