“Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” (Lucas 18.14)
Não podemos pensar em graça e ao mesmo tempo considerar adequado ter o nosso coração dominado por orgulho e presunção. Alguma visão razoável da revelação bíblica, no que diz respeito a uma possível origem para o mal, mostra-nos que ela está ligada à presunção. Poeticamente os profetas Ezequiel e Jeremias falaram sobre isso. Em suas profecias temos referência a uma ser, próximo a Deus, cheio de beleza e glória, que pretendeu a grandeza e o lugar de Deus para si. E tornou-se então a mais vil e abjeta das criaturas. Ainda que esta visão para os textos não goze de consenso, é inegável o indício. E nele o orgulho, a presunção, revela-se a raiz da corrupção de onde brotam ramos que produzem todo tipo de males e maldades, pecados e ofensas contra a santidade de Deus. A natureza do orgulho é de ordem relacional. Ele se projeta em direção e sobre o outro. É interessante que nós, seguidores de Jesus, sejamos tão mais atentos a fraquezas morais, vigiando-as e procurando puni-las, e tantas vezes cegos para o grande mal da presunção e do orgulho na alma humana. Sem contar que criamos um sistema religioso que alimenta a validade, em lugar de coibi-la.
A parábola de Jesus é requintada em sua narrativa, conforme registrada por Lucas. Em seu inicio, o fariseu aparece primeiro que o publicano. Mas ao terminar, é o publicano quem tem primazia. “Eu lhes digo que este homem, e não o outro” refere-se ao publicano que volta para casa justificado, e não o outro, o fariseu. Os últimos serão os primeiros. Os humildes precedem os orgulhosos. O apóstolo Paulo escrevendo à igreja em Corinto e também na carta Aos Efésios, concordou com o profeta Jeremias: não há razão para que pessoa alguma alimento orgulho, se exalte ou pretenda ter crédito algum diante de Deus ou de seus semelhantes (Jr 9.23-24). E é esta a lição da parábola de Jesus, que deixa tudo muito claro: “quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. Afinal, no Reino de Deus não há santo que não tenha sido perdoado, não há adorador que não tenha antes, desonrado o nome de Deus. Somos devedores cuja a dívida foi paga amorosamente e cancelada. E não seres impolutos, que nada devem a ninguém. Estamos em pé porque fomos levantados pela graça. Se julgamos os caídos, desprezamos a graça que nos tirou da sarjeta.
Tudo isso é muito sério e importante para nossa espiritualidade. Mas devido a nossa insensatez, corremos o risco de agir sem misericórdia e amor para com os que julgamos ofensores da santidade de Deus, como se não tivéssemos nada a ver com o pecado. Somos pecadores e temos tudo a ver com fraquezas e pecados. Nosso papel não é julgar ou condenar, mas buscar e acolher. Somos parte do ministério de Cristo, cujo fim é buscar a ovelha que se perdeu. É acolher de forma calorosa e festiva o filho que desonrou o pai e desperdiçou a herança. Somos seguidores do Mestre que disse aos justos de plantão: quem não tiver pecados, atire a primeira pedra. E que somente disse “vá e não peque mais” depois de haver amado, acolhido e perdoado. Temos tanto a compreender sobre o Evangelho. Um bom começo é a persistente escolha pela humildade. Ela nos livrará de muitos enganos e nos possibilitará muitos acertos!