Do lado de fora da minha janela, o céu está coberto de estrelas, nesta noite de outubro, com uma lua em quarto crescente subindo por trás dos prédios. Os poetas gostavam da lua cheia, escreviam milhares de versos sobre ela, mas eu sou apaixonado pela meia-lua, porque ainda ha espaço para aumentar, expandir-se, preencher de luz toda a sua superfície, antes da inevitável decadência. Mais um dia se passou, um dia a respeito do qual não posso negar, houve tristeza, a noite chegou, as cortinas das janelas estão fechadas, a luminária arde sobre a mesa, já é quase meia-noite, hoje um primo faleceu. Poderia me recolher, mas me mantenho recostado na poltrona, e com as mãos cruzadas sobre o colo, olho para o teto, a fim de perseguir, com resignação, o puxar e repuxar silencioso de uma sensação indeterminada, que não consigo espantar. Nem sequer tento entender o motivo do meu desânimo. Sou intimo dele. Sei que meu corpo abriga uma legião de demônios que nunca hibernam por muito tempo. Talvez lutem no meu interior forças contrárias. Ou é a lembrança do meu passado que emerge da sombra do tempo, com todas as cores vivas ou escuras, com as delícias ocultas e nunca reveladas, e, ao mesmo tempo, com as amarguras e resistências. Ele era Engenheiro, mas parecia um médico ou um professor: usava sempre camisas compridas; tinha o cabelo preto penteado para trás e uma expressão pensativa. Tinha um olhar que não admitia réplica, um olhar que era como chama de um maçarico. Havia neles uma certeza inicial, uma espécie de fé no que é bom, parecia conservar um vestígio de juventude em meio a feições cada vez mais marcadas pelos estragos da velhice. Morreu num dia de primavera, com o sol minguante brilhando fracamente por finas nuvens brancas; o ar estava sereno e abafado, hoje está faltando ele, mas não vou botar minha tristeza numa vitrine. Todos temos queimaduras internas, viver é isto.
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