Eunápolis: Cubanos revolucionam atendimento do SUS

Eunápolis: Cubanos revolucionam atendimento do SUS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com pouco mais de 110 mil habitantes, segundo o IBGE, Eunápolis (a 671 km de Salvador) é considerada uma cidade polo regional no extremo sul baiano, não apenas pela excelente localização, à margem da BR 101, que facilita a logística, mas principalmente pelo bom desempenho de sua economia, infraestrutura em desenvolvimento, ampla oferta de serviços, além da tradição do comércio local. Faz pouco tempo que a cidade ganhou 14 novos moradores, 11 mulheres e três homens, todos vindos da ilha de Cuba, na América Latina, como parte do programa Mais Médicos do governo federal. Eles ficarão três anos atuando na rede pública municipal, na atenção básica, dentro da Estratégia de Saúde da Família, antigo PSF (Programa de Saúde da família).

Segundo o Conselho Federal de Medicina, a Bahia ocupava, em 2013, o 18º lugar no ranking de quantidade de médicos, com uma proporção de 1,25 médico para cada mil pacientes. No interior do estado a situação é ainda pior, pois a capital Salvador concentrava no ano passado 60% dos profissionais baianos, ou seja, 0,6% dos médicos do estado. Esta realidade está sendo enfrentada com o programa Mais Médicos, que ainda não apresentou resultados oficiais.

Eunápolis se capacitou para receber tantos cubanos do programa implantado para suprir a carência de médicos em todo o país, sobretudo no interior e periferias das grandes cidades. O Mais Médicos recebe críticas sistemáticas dos médicos brasileiros e entidades da categoria, mas também começa a ser elogiado por parte dos usuários do SUS – Sistema Único de Saúde. A Tarde Municípios ouviu alguns médicos da ilha caribenha que estão residindo em Eunápolis, além de pacientes atendidos pelo grupo, agentes políticos, enfermeiras e servidores dos postos de saúde do município.

Mais atenção

A maioria dos pacientes atendidos pelos cubanos está aprovando a iniciativa, segundo Antônio Reis, 70 anos, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Eunápolis, filho de um dos fundadores do município, Moisés Reis, que dá nome a um bairro da cidade. “Há uma satisfação geral por parte dos pacientes que eu tenho encontrado nos postos e nas ruas”, diz Reis, mas alguns ainda estão estranhando o tempo da consulta, afirma o conselheiro. “No geral, todos estão aprovando a novidade, principalmente o resultado dos tratamentos indicados. As consultas demoram porque os cubanos fazem uma avaliação completa do paciente”, destaca Antônio Reis. “Uma enfermeira me relatou que auxiliou num atendimento a uma criança e ficou impressionada com a quantidade de procedimentos, coisa que ela só tinha visto antes na faculdade”, conclui o presidente do Conselho.

Adalgiza Barbosa, 53 anos, enfermeira contratada pela prefeitura e coordenadora da Unidade Básica de Saúde onde atendem os médicos Wilfredo Gonzales e Daziel Rodrigues, conta um caso interessante que ilustra bem o método de trabalho dos cubanos. Levada pela mãe, uma paciente adolescente se queixava de dor de cabeça, mas fazendo perguntas pertinentes, o clínico cubano descobriu que o problema da garota era miopia, recomendando uma consulta ao oftalmologista, narra Adalgiza. Para ela, o diagnóstico preventivo vai evitar muitas doenças.

Eunápolis: Cubanos revolucionam atendimento do SUS
Beljys Candelária, médica cubana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No posto de saúde do bairro Dinah Borges, a médica cubana clínica geral Belkys Candelária Gomes, 28 anos, atende 16 pacientes por dia dentro da unidade e faz, uma vez por semana, o atendimento domiciliar no bairro e vizinhança. Ela assume que ainda não domina 100% o idioma, mas que não tem problema de comunicação com os pacientes. Para ela a equipe de trabalho ajuda muito na adaptação.

Wilfredo Gonzales, 44 anos, clínico geral, disse que está gostando do trabalho. Falando bem o português, ele foi o primeiro do grupo a chegar à cidade. Gonzales já tem experiência de trabalho parecido feito na Venezuela e em outros paíse da América Latina. Sobre a impressão que teve da Bahia ele disse que “o baiano é muito parecido com o cubano, no acolhimento, no modo de ser”.

Gonzales disse ainda que não há diferença de medicamentos receitados em Cuba para os que estão lidando no Brasil. Mas pontuou que algumas doenças ocorrem em número bem menor na ilha caribenha, como a tuberculose. “Há doenças que só estudamos na teoria e agora estamos vivenciando elas na prática”, disse o cubano. “O programa Mais Médicos vai contribuir com o povo brasileiro, porque vai atingir lugares que nunca tiveram um médico”, elogia o programa.

Nenhum dos profissionais entrevistados por A Tarde Municípios se queixou da estrutura física encontrada, da remuneração paga pelo programa ou de qualquer problema enfrentado, mas ainda há um certo temor nas declarações por conta do risco de uso político.

Pacientes

A usuária do SUS, Denilza Ferreira Santana, 32 anos, moradora do bairro Moisés Reis, levou ao posto médico da prefeitura a filha de 10 anos para cuidar de uma dor de garganta e ficou satisfeita com o atendimento recebido. Ela disse que foi tratada com muita educação e que não teve problema para se comunicar com o médico cubano por conta da diferença de idioma.

Atendido por Wilfredo Gonzales, o jovem Adilan Pereira Nunes, 25 anos, disse que o médico cubano conversou atentamente com ele, diferente dos outros. Para o jovem a comunicação com o médico fluiu sem problemas por conta do idioma. A jovem Raíssa Flávia Costa, de 18 anos, disse que também está muito satisfeita com o atendimento do cubano, que nãom é só a base de perguntas, mas também de exames visuais.

Demora

Um problema identificado durante a reportagem foi a demora da marcação e entrega de exames clínicos e laboratoriais, cujos prazos diferem muito de Cuba, onde o paciente pode fazer um exame e receber o resultado, em alguns casos, dentro de poucas horas. Pelo SUS, há uma regulação controlada pelo Ministério da Saúde que limita a quantidade de exames e o prazo de entrega de um hemograma simples, por exemplo, pode demorar mais de 30 dias.

Críticas

Eunápolis: Cubanos revolucionam atendimento do SUSMas há vozes dissonantes que criticam a vinda dos cubanos e o programa Mais Médicos, como o clínico geral João Lopes, 62 anos, concursado da prefeitura desde 2001, que reclama do baixo salário de pouco mais de R$ 1,2 mil, o mesmo há 11 anos, segundo o clínico, que decidiu entrar para a política, sendo eleito vereador em 2012, mas continua exercendo a profissão. Lopes argumenta que a solução do Mais Médicos é paliativa e não resolve o problema da saúde pública no país.

Para ele, a solução a médio prazo seria a criação de planos de carreira dos médicos e demais profissionais de saúde, para que os salários tivessem uma escala progressiva e a aposentadoria fosse mais digna. Esta, na sua opinião, seria a única forma de fixar os médicos no interior. “Temos 400 mil profissionais, mais de 200 faculdades de medicina no país, mas falta um plano de carreira que garanta salários dignos aos médicos brasileiros”, dispara João Lopes.

Ele disse que ainda não viu o método de trabalho dos colegas cubanos, mas que a questão não é simples. “Todos os médicos estrangeiros do programa deveriam ser submetidos a um teste de aptidão e conhecimento. E mais, uma das exigências para um médico brasileiro trabalhar no exterior é o domínio do idioma do pais onde pretende trabalhar. Não se está exigindo nem isso dos estrangeiros do programa”, finaliza Lopes.

Plano de cargos

O secretário municipal de Saúde , Mário Gontijo, informou que o município já está discutindo o plano de cargos e salários dos médicos efetivos da prefeitura, a pedido do prefeito Neto Guerrieri, em parceria com a Câmara de Vereadores e a categoria. Ele reconhece que a remuneração atual desmotiva os médicos e outros profissionais de saúde a continuarem ou ingressarem no serviço público. Gontijo informou ainda que hoje Eunápolis tem um time de 88 médicos de diversas especialidades trabalhando na rede pública, na cidade e zona rural, além dos 14 que chegaram de Cuba.

Também já tramita no Congresso uma proposta de criação de plano de carreira que prevê vantagens e progressões, como já existe para magistrados e promotores. Contratados mediante concursos, os médicos iniciariam atividade em localidades menores, e seriam promovidos ao longo do tempo para regiões melhor estruturadas. O profissional, no entanto, deverá trabalhar em regime de dedicação exclusiva.

Cubanos na Bahia

O programa Mais Médicos na Bahia conta com mais de 500 médicos cubanos atuando em mais de 200 municípios no interior do estado. Foram cadastradas 317 das 417 cidades baianas, de acordo com dados informados pelo governo estadual. O número representa 76% do total de cidades. Para o Ministério da Saúde, 264 municípios são considerados prioritários, entre eles, Alagoinhas, Eunápolis, Bom Jesus da Lapa, Ilhéus e Lapão.

SUS

Acesso mais fácil, rápido e oportuno aos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde é o modelo desejado pela maioria dos brasileiros, segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no final de 2010. A maioria dos entrevistados aponta a falta de médicos (58,1%), em primeiro lugar, depois a demora em ser atendido (35,4%) e conseguir consulta com especialista (33,8%) como os principais problemas da saúde pública no Brasil.

“O aumento do número de médicos pode ser entendido pela população como uma solução para os problemas que vivencia, quando, na busca de serviços no SUS, ocorre demora em conseguir marcar uma consulta ou utilizar outro tipo de serviço de saúde”, afirma a pesquisa, que ouviu 2.773 pessoas em várias regiões do país.

 

 

 

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