Por Pedro Ivo Rodrigues
Nas mãos, tenho o oriente e o ocidente. Na penumbra da
noite ouvi teu gemido; mas quem pensas que estava ao teu
lado? A luz lunar da albedo ou as lágrimas encantadas do Sol?
Quando olhei as estrelas em meu telescópio, percebi que a
matéria negra do espaço são teus olhos pretos e misteriosos.O
que eles me escondem?A criação do mundo?O nascimento do
cosmo?Ou simplesmente os mistérios de tua alma?
Na calada da madrugada, escrevi nossos nomes num muro.
Você sonhou em vão, pois, ao acordar, virei nuvens de sonhos
que se desmancham.
Não peça meu endereço, dama das sombras, pois não posso
ser visto por olhares mundanos nem imaginado por fúteis idéias
que escorrem pelo ralo.Se queres me ver, encontre-me em Cabul.
Mas, por que em Cabul?Se tenho em cada mão um hemisfério, por
que eu deixaria de morar em Cabul, para viver aqui e agora?Se lá
posso defender o indefensável, falar o impensável, ou mesmo me
esconder debaixo da capa da noite, a capa cheia de estrelas e plane-
tas.Se posso fumar narguilé, beber dawamesk ou mesmo rezar de
turbante numa mesquita imaginária?Se posso voar como vôo quando
estou dormindo,cruzar os sete mares da mente, navegando numa tem-
pestade de ilusões paliativas para o sofrimento de ser humano e saber
o que é o morrer; se nesse lugar eu tenho do direito de ir a Tróia e beber
a Nephente e me atirar nos braços de Helena; se lá o começo de tudo é
apenas o fim da minha angústia terrena e o fim é só o começo de minha
jornada.
Por que desistiria de tudo, para esperar mais um pôr-do-sol aqui?
Você não me disse teu nome,mas em Cabul eu perguntarei, quando numa
barraca do deserto nós estivermos.Eu e você tocando alaúde para a po-
bre e infeliz Andrômeda, aprisionada numa constelação a espera de um
Perseu que nunca existiu, a não ser no pedaço de delírio,num episódio de
ataque nervoso do infinito brilhante.
Seja lá o que for, me espere em Cabul. Diga a Hidra de Lerna que eu
não sou Hércules;logo,posso passear com você nas ruas desertas e cheias
de segredos milenares, as mesmas que os descendentes de Maomé
pisaram quando obedeceram ao cântico vindo do crescente de ouro.
Quando erigiram os budas de Bamyam, no Afeganistão, eu fui contra
porque sabia que aquilo um dia iria cair.Um bruxo que jogava tarô egíp-
cio leu as mãos das estátuas e viu a morte dos ídolos de pedra, outrora
semideuses, agora escombros…
Se você tem medo de escuro, de dormir num quarto com a luz apa-
gada, me espere em Cabul,pois eu estarei numa rua sem começo nem
fim.As pedras dessa rua serão meus pensamentos eternos…infinitos…
imutáveis…ou talvez de chumbo, sendo aquecidos pela chama
da alquimia até virarem ouro.O ouro da espiritualidade num contexto
cósmico.
Não tente decifrar meus propósitos, pois eu sou o desconhecido…
Encontre-me em Cabul…
26/03/2001
*Do livro Estilhaços de Sonhos Perdidos no Vazio da Existência, publicado em junho de 2010