Dotô, eu levo ou deixo os patos?

Dotô, eu levo ou deixo os patos?Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em sua casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Lá chegando, constatou que estavam lhe roubando os patos de estimação. Rui então, destemido e com a coragem que lhe era peculiar, caminhou lentamente até onde o ladrão se encontrava, e surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, puxouo ao seu encontro, enfrentou o surpreso larápio, usando como arma, o vernáculo:

– Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.

E o ladrão, abobalhado e confuso lhe questiona humildemente:

– Dotô, eu levo ou deixo os pato?

Além dos risos que tal imagem provoca, a pior herança que nos faz lembrar, é do juridiquês – idioma não oficial, utilizado pelos grupos jurídicos, que os fazem diferentes dos demais seres, fechando-os em uma redoma digna de um romance de Kafka – que afasta o cidadão comum do entendimento do que se passa com os processos judiciais em que este está envolvido.

É comum sairmos de uma audiência, onde se fala em preliminares, que nada tem de amorosas, onde se fala em questão prejudicial, pedido contraposto, inquirição, contradita razões finais e todas outras palavras que não estão inseridas no dicionário social da maior parte dos jurisdicionados.

E quando se tem a sentença? Aí sim que a distância verbal entre o prolator e o real receptor da decisão – a parte interessada – se torna insuperável.

Sem a tradução dada pelo Advogado, verdadeiro intérprete jurídico, o leigo não tem como dimensionar o que aconteceu e nem se a sentença lhe foi favorável ou não. Para nós envolvidos na lide como profissionais dela, é importante sem dúvida a fundamentação, a parte dispositiva, os capítulos da sentença, mas para o nosso cliente, ele apenas nos olha, e questiona o que lhe interessa:

– Doutora, disso tudo, só não entendi uma coisa, a gente ganhou ou perdeu?

 

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