Do lamento à adoração

“Até quando, Senhor? Para sempre te esquecerás de mim?  Até quando esconderás de mim o teu rosto?” (Salmos 13.1)

Este salmo é emblemático para mim. Ele tem apenas 6 versos, mas neles o salmista percorre um longo caminho. Vai da indignação à gratidão, do lamento à adoração. Por que ele é tão especial aos meus olhos? Porque nele o coração humano aparece sem medo. Ele não traz uma oração politicamente correta. O que o salmista sente não é encoberto pelo que ele poderia considerar o certo. Ele fala do que habita seu coração. O salmista não nega a si o direito de sentir e reagir com autenticidade, mesmo diante de Deus. Vê-lo fazendo isso inspira-me a ser verdadeiro e corajoso em minhas orações, em minhas conversas com Deus, ainda que esteja errado e tantas vezes estou. Não é um salmo de fuga, mas de confronto com Deus. Só quem acredita na misericórdia e no amor de Deus tem coragem para fazer isso. O salmista não tem medo de Deus, e não deveria ter, por causa de quem Deus é. Deus poderia ser perigoso para nós, mas é o nosso refúgio.

O salmista fala com Deus sobre o que está sentindo, sobre o modo como percebe as coisas. Muitos de nós praticam um tipo de oração que nega isso, falando o que acham que deveriam falar e não o que verdadeiramente tem para falar. O sentimento é sublimado por uma explicação, uma racionalização. E a pessoa reage ou age passivamente, adequadamente, fazendo o papel de alguém inabalável em sua fé. A primeira vista parece grandeza de espírito, maturidade, mas nem sempre é. É apenas uma tentativa de agir como se fosse quem ainda não se é. É o comportamento de quem não acredita que pode dizer a Deus que não concorda, que não está gostando do modo como Ele está agindo. De alguém que não acredita que tenha o direito de gritar contra sua dor. Agir assim rouba a saúde, entope as artérias, afeta a pressão sanguínea, alimenta as chances de um aneurisma, produz estresse. As vezes aprendemos uma espiritualidade que nos obriga a controlar o que não deveríamos controlar – o modo como nos sentimos. Que nos ensina a fazer de conta que não fomos atingidos e que estamos confusos. Não estou advogando um acesso de raiva, mas a liberdade e coragem de assumir a verdade sobre como nos sentimos.

O salmista está se sentido abandonado por Deus, esquecido. Como se Deus se escondesse dele. Ele está em apuros, sofrendo, e Deus parece nem ligar! Ele então reclama. Sua oração é uma queixa. Você alguma vez já fez uma oração assim? Como é bom abrir a boca e mostrar a alma. Dar voz aos nossos sentimentos em lugar de abafá-los, nos proibindo de sentir. Depois que falamos, nossos olhos recebem luz. Depois que assumimos nossos sentimentos sobre algo, crescemos na capacidade de lidar com aquilo. O salmista usa 4 versos para fazer isso. Ele reclama e se mostra indignado. E então, depois disso, afirma sua fé. Ela sempre esteve ali e agora podia aparecer: “Eu, porém, confio em teu amor; o meu coração exulta em tua salvação.” (v.5). No último verso ele adora. Uma adoração sincera, de quem foi verdadeiro e no fundo sabe que a verdade está com Deus: “Quero cantar ao Senhor pelo bem que me tem feito.” (v.6). E assim ele atende ao mandamento do apóstolo: “sejam gratos em tudo” (1 Ts 5.18). Pois não se trata de negar a si o direito de sentir dor e não gostar. Trata-se de terminar com fé e adoração, por sabermos quem Deus é. Para mim, este salmo é realmente emblemático.

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