A discussão sobre a proteção ambiental e os seus pontos de contato com a atividade turística merece atenção pela abrangência. Um dos estudos desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias Ambientais (PPGCTA) tratou do tema das decisões judiciais em ações civis públicas a respeito de prejuízos ambientais provocados pela ocupação de áreas da orla por barracas e cabanas em Porto Seguro.
A dissertação de Neliana Ribeiro, desenvolvida sob orientação do professor Roberto Muhájir Rahnemay Rabbani, pesquisou as sentenças e concluiu que o município precisa melhorar a sua capacidade de gestão ambiental. O estudo mostrou também a importância do reconhecimento das barracas na orla como agentes que ofertam serviços e geram emprego e renda, mas que nem por isso estão livres de ter de cumprir a legislação ambiental, o que está sendo feito a partir de condenações e de acordos judiciais, nos quais os empreendimentos se comprometem a readequar suas estruturas e recuperar áreas degradadas.
A defesa ocorreu no dia 25 de outubro de 2019, na sala Coroa Vermelha I do Campus Sosígenes Costa, em Porto Seguro, perante a banca composta pelos professores David Santos Fonseca (UFSB); Nadson Ressye Simões da Silva (PPGCTA/UFSB), Leonardo Evangelista Moraes (PPGCTA/UFSB) e Roberto Rabbani (UFSB, orientador e presidente da banca).A pesquisadora, advogada e mestra Neliana Ribeiro e o professor Roberto Rabbani compartilharam informações sobre a pesquisa para a seção UFSB Ciência.
De que trata a pesquisa?
O município de Porto Seguro faz parte do corredor central da Mata Atlântica, um importante centro de biodiversidade. Como ocorre com os municípios litorâneos, ele sofre intensa pressão antrópica, especialmente pelo desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo. Sobre o município atuam diversos órgãos ambientais vinculados aos demais entes federativos, o que por vezes cria conflitos de competência que, associados à evidente falha do ente municipal na gestão costeira, influenciam a ocorrência de danos e lesões aos recursos ambientais.
A legislação ambiental e especificamente a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, reconhece o meio ambiente como um direito fundamental e determina que aquele que causar dano aos recursos ambientais deverá repará-los. O reconhecimento do dever de reparação, quando possível, ou de indenizar, quando as circunstâncias não permitirem a reparação, em matéria ambiental, é apurado pelo instrumento jurídico conhecido como Ação Civil Pública, que em outras palavras tem como objetivo reparar as lesões ao meio ambiente, indicando o autor do dano e ou aquele que contribuiu para sua existência, responsabilizando-os por tal conduta.
Na orla de Porto Seguro observa-se a ocupação desordenada de praia e terreno de marinha por um período superior a 20 anos. A ocupação desenfreada possibilitou a supressão de vegetação nativa, aterramento de mangues e ocupação de áreas próximas à foz de rios, áreas de proteção permanente amparadas pela legislação ambiental. Diante dessas lesões e do contexto de responsabilidade ambiental, o objeto da pesquisa foi analisar as sentenças das ações civis públicas protocoladas na Justiça Federal, em face de entes públicos como a União e o município de Porto Seguro, e ainda as barracas de praia, a fim de responsabilizar os sujeitos causadores do dano.
Como foi feita a pesquisa?
A pesquisa foi realizada em dois momentos. O primeiro compreendido no levantamento bibliográfico, para formar o referencial teórico. Essa parte da pesquisa foi essencial para compreensão da origem da legislação ambiental e como esta foi influenciada pelo movimento ambientalista. Através do referencial teórico é possível inferir como a distribuição de competências pela CF/88 está intimamente ligada com o dever dos entes federativos em promover a defesa do meio ambiente, seja criando leis ou gerindo os recursos ambientais, sendo os mesmos responsabilizados quando sua conduta (ação ou omissão) causar um dano ou contribuir para sua existência.
O segundo momento da pesquisa foi especificamente a análise das sentenças. Esses documentos foram obtidos através de acesso ao sitio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na 1ª instância, na opção “consulta processual”, onde fora selecionada a Subseção Judiciária de Eunápolis. Uma vez que o estudo parte da premissa em que a ocupação desordenada da orla se deu em razão de falha na gestão ambiental pelo município, a pretensão foi analisar todas as ações em que o ente municipal estava presente na ação, e por isso o campo de busca foi preenchido com o termo “Município de Porto Seguro”. Com os passos descritos, chegou-se a todos os processos em que o município de Porto Seguro é parte. Essa busca inicialmente gerou uma lista de 167 processos. Foram selecionados aqueles classificados como ação civil pública, gerando uma nova lista com 100 processos (em janeiro de 2019), reduzida a 75 processos após a análise do seu conteúdo.
Qual a importância da pesquisa?
A pesquisa é importante pois através dos seus resultados é possível avaliar a eficácia da ação civil pública enquanto instrumento jurídico de proteção ambiental. Além disso, sua metodologia estabelece uma base de estudo para análise de outras ações, como aquelas protocoladas pelo Ministério Público Estadual. A partir do estudo realizado é possível criar um mapa conceitual com indicação de áreas mais afetadas pela omissão estatal e exploração econômica por particulares, orientando políticas públicas ou atuações civis que tenham interesse na reconstituição do ambiente e reparação de áreas degradadas.
O que os resultados informam?
Os resultados apontam que os danos ambientais causados pela ocupação irregular da orla de Porto Seguro estão sendo reparados, como resultados efetivos das ações civis públicas. Cerca de 85% das ações civis públicas já foram sentenciadas e em cerca de 50% houve um tempo médio de nove anos de tramitação. A soma proveniente das indenizações previstas nas sentenças ultrapassa a marca de R$ 2,671 milhões, sendo que o município de Porto Seguro é o ente público que arca com o maior número de indenizações, o que indica sua evidente falha na gestão costeira.
Os resultados também apontam para a importância socioeconômica das barracas de praia. Este reconhecimento é evidenciado através da readequação dos empreendimentos, meio oportunizado pela Justiça para manutenção das barracas na orla de Porto Seguro, possibilitando aos réus realizarem alterações na estrutura do seu estabelecimento e assim, enquadrar-se em um modelo menos lesivo ao meio ambiente. A readequação envolveu aprovação de projeto arquitetônico e paisagístico pelo IPHAN, bem como apresentação de um plano de recuperação da área degradada. A aprovação dos projetos pelo IPHAN foi requisito essencial para a homologação do acordo entre as partes envolvidas no processo. A medida aplicada pela Justiça reconhece as barracas de praia como agentes importantes no contexto socioeconômico do município, contudo, esse viés não se sobrepõe à importância ecológica da região costeira, razão pela qual o não cumprimento do projeto de readequação poderá implicar na demolição dos empreendimentos.
A condenação dos réus ou a homologação dos acordos entre as partes nos processos simboliza um avanço e uma resposta do Poder Judiciário condizente com a proteção garantida na legislação ambiental. A mensagem enviada é que ninguém ficará impune diante de um dano ambiental. Tanto Estado, na figura dos entes federativos, como os particulares (empreendimentos ou pessoas físicas) respondem pelos danos causados ao meio ambiente.
A gestão ambiental torna-se imperativa no cenário socioeconômico atual. Há uma urgente necessidade de atuação precisa do Poder Público, especialmente pelo município, a fim de se evitar que o dano venha a existir. A falha da gestão ambiental importa na responsabilização dos entes públicos, que por sua vez, tem um duplo efeito negativo sobre a sociedade. É a sociedade o titular do bem ambiental, conforme dispõe o caput do artigo 225, da CF/88: “Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Portanto, quando há uma lesão a esse direito, a esse bem, a sociedade é a vítima, e também é ela que, em última instância, irá arcar com as despesas e indenizações impostas ao ente público que deu causa ou contribuiu para existência do dano.