Deus-eu-você

“Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas.” (Mateus 6.14-15)

Deus-eu-vocêEste é um verso questionador de nossa religiosidade e, porque não dizer, de nossa teologia? Ele incomoda, porque coloca as coisas numa ordem estranha. Para nós não faz muito sentido essa ideia proposta por Jesus, que coloca o perdão que recebemos de Deus na dependência do perdão que damos ao nosso próximo. Nosso entendimento da fé não prescreve algo assim. Faz mais sentido o contrário! Na medida em que somos perdoados por Deus ficaria então algo como um dever para nós (não uma obrigação!): o de perdoar uns aos outros! Porém Jesus se expressou de outra forma. E não deveríamos estranhar esse Seu posicionamento, pois Ele não o fez uma única vez. Ele sempre falou do amor a Deus e ao próximo como uma só expressão de fé.

Em Mateus 25, na sequência de parábolas sobre o final dos tempos (Dez Virgens, Talentos…), Jesus falou de um juízo em que o critério será o que tivermos feito uns aos outros. Ele “se confunde” com o próximo com quem nos relacionamos e a quem devemos amar e servir: “o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram” (v.40), e “o que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo”(v.45). O princípio é o mesmo: não há amor a Deus sem amor ao próximo e não há serviço a Deus sem serviço ao próximo. No texto de hoje Jesus foi além: “você não receberá de Deus aquilo que não está disposto a dar ao seu próximo”. E isso precisa ser aceito e vivido por nós.

O cristianismo nasceu como um movimento caracterizado pela fé, a esperança e o amor. Ao longo do tempo foi institucionalizando-se. A teologia foi construindo declarações formais e a liturgia foi instituindo elementos e práticas. Por várias razões o amor perdeu espaço para a doutrina, a vida foi demonizada e o templo, sacralizado. Nos esquecemos dessa relação fundamental e insubstituível: Deus-eu-você. Fizemos da vida de fé uma torre moral e abandonamos a praça do amor, o lugar da convivência, do apoio, do cuidado e do perdão. O amor deixou o centro pois nos pareceu frágil demais, quando, na verdade, nada é mais poderoso que ele. Temos nos iludido achando que podemos andar com Deus sozinhos, mas não podemos. Não existe o “Deus-eu”, sem o “você” e nem o “Deus-você”, sem o “eu”. A fé é pessoal, mas não é individualista. Deus-eu-você é como ela é.

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