Empreendedorismo, trabalho como autônomo, bicos. Contra o paradeiro do mercado de trabalho, o jeito é enfrentar a crise por conta própria.. Na linguagem popular, o recurso é se virar. Com a desaceleração consistente da atividade econômica milhares de brasileiros passaram a buscar a opção, em boa parte marcada pela informalidade, para equilibrar as despesas. Nos últimos três anos terminados em fevereiro último, a categoria dos trabalhadores por conta própria foi a única que avançou entre os grupos analisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Mensal do Emprego (PME).
No período, o contingente nessa modalidade de trabalho cresceu 8,8% na Região Metropolitana de Belo Horizonte, somando 443 mil pessoas. O avanço significa que passaram a fazer parte desse grupo 36 mil trabalhadores a mais. Eles representavam, em fevereiro, 19,5% do total de 2,267 milhões da população ocupada na Grande BH, só perdendo para 1,248 milhão de empregados com carteira assinada, que respondiam por 55% do total (veja o quadro). A taxa de crescimento dos autônomos ficou acima da média nacional, de 7,1%.
No país, são 4,5 milhões atuando por conta própria, de um total de 22,555 milhões de pessoas que tinham trabalho em fevereiro. Enquanto vagas se fecham e contratações caem em todo o país, o conta própria garante à família alguma fonte de renda. Efeito da crise no mercado de trabalho, desde 2014 a atividade vem crescendo entre a população ocupada.
O mercado de trabalho encolheu 9,3% na Grande BH durante os últimos três anos e a ocupação se precarizou, afinal, o número de empregados com carteira assinada caiu 11,7%. As dificuldades cresceram também para os trabalhadores mais desprotegidos, aqueles sem registro formal. Esse grupo diminuiu 22,2% e o dos empregadores ficou 21,4% menor. “Certamente o avanço da atividade por conta própria está associado a uma dificuldade do mercado. O trabalhador está enfrentando um tempo maior de procura por emprego e a renda está caindo. O panorama se mostra mais grave que um simples ajuste”, avalia Antonio Braz de Oliveira e Silva, analista do IBGE em Minas.
HABILIDADE NA CRISE Segundo o especialista, a atividade por conta própria caracteriza-se pelo trabalho feito por aqueles que não são empregadores e nem empregados. Esse é o caso do biólogo Matheus Vespúcio, de 28 anos. Em dezembro do ano passado, ele decidiu empreender por conta própria. O mercado de consultorias ambientais em que atuava desacelerou e Matheus viu na onda da food bike, a comida de rua oferecida em charmosas bicicletas, uma fonte de renda. “A crise colaborou para que eu descobrisse uma habilidade que não sabia que tinha”, observa Matheus.
O biólogo montou a Tiki bike, que vende chupe-chupes e sucos naturais. Ele desenvolveu também a versão alcoólica do produto para venda em eventos. Desde dezembro, Matheus vem conseguindo equilíbrio financeiro do negócio, mas percebeu que neste início de ano tem precisado oferecer mais o produto, participando com maior frequência de espaços de eventos para fazer girar a mercadoria e manter a contabilidade em dia.
O biólogo empreendedor vende sucos naturais, a exemplo das bebidas feitas de mexerica, amora com laranja e morango com maracujá a R$ 5 e os chupe-chupes a R$ 3. Ele mesmo compra, higieniza e prepara as frutas, assim como as bebidas e gelados que depois são vendidos, também por ele, nas praças da cidade. Satisfeito com os resultados que tem alcançado com sua bike, Matheus é um bom exemplo do conta própria. No futuro, pensa em formalizar o negócio.
Entre 2010 e 2013, quando o mercado de trabalho estava aquecido, a atividade do conta própria cresceu menos. A taxa foi de 4,9% na Grande BH. No período, o mercado global de trabalho evoluiu 6,9% considerando-se o universo de ocupados àquela época. “O trabalhado com carteira assinada avançou 14,2%, o sem carteira caiu 16% e o de empregadores cresceu 17%”, aponta Braz e Silva, do IBGE.
Palavra de especialista
Miguel Foguel/pesquisador do Ipea
“O avanço do trabalho por conta própria é uma resposta ao atual momento da economia. As pessoas estão sendo desligadas de seus empregos, e não há crescimento das contratações. O conta própria é uma alternativa para auferir alguma renda. Ele pode ser um trabalho temporário ou evoluir para o empreendedorismo individual, por exemplo. Outra situação é aquela em que pessoas de uma mesma família, vendo o chefe do grupo perder o emprego ou a renda diminuir, buscam também alternativas e passam a desenvolver atividades para melhorar essa condição. Em um curto prazo, o movimento é positivo para a economia, já que as pessoas estão conseguindo ter alguma renda. A longo prazo, é preocupante. A ocupação que não está ligada a um trabalho inovador, por exemplo, mas requer baixa qualificação e pouco investimento na formação do trabalhador, pode criar a mais longo prazo um problema para o país, atuando como limitador do crescimento da produtividade.”
Fonte: Jornal O Estado de Minas