Na minha profissão já acompanhei uma cremação, foi de uma idosa que tinha um marca-passo cardíaco, e foi retirado antes, pois poderia explodir e causar danos no incinerador e ferir o funcionário do crematório, além disso, este equipamento contém mercúrio, que é prejudicial quando liberado na atmosfera.
Analisei o direito ao adicional de insalubridade, já que o funcionário faz a limpeza do forno. A vida é sagrada, mas como um relâmpago desaparece e o corpo com a cremação virá pó. Vi retirar as hastes de metal, do suporte para as mãos, do caixas que cheirava um pouco a creolina.
Neste momento, só o funcionário, o cadáver e eu, a cerimônia para a família foi no dia anterior, como manda a lei.
Este corpo conta uma história que anda para trás no tempo e agora ali em silêncio, um silêncio mais absoluto e poderoso do que qualquer coisa que já imaginei, um instante final, antes do desaparecimento completo da referência de registro de uma existência humana onde agora deixará este mundo para sempre e sei que lá fora passarinhos estão voando entre as árvores, nos jardins do crematório e em silêncio ouvi o som de meu coração, quando o caixão foi colocado no forno, agradeci pela vida que é tão bela e vi naquele momento o além do comum.
Como o amor, a morte é uma experiência pessoal, e a essência deste momento é a despedida de tudo e sinto agora, aqui que é a fragilidade da vida que da perspectiva a ela, este corpo inserido no mundo era um corpo cheio de roupas e pensamentos e agora tudo se dissipou. Não mais a vida doce, feita de pequenas coisas. Não mais o perfume do viver. As cinzas são colocadas em um recipiente e entregues à família.
Eclesiástes 3:20 ” Tudo e todos se dirigem para o mesmo fim: tudo vem do pó e tudo retorna ao pó”.
*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe no site www.osollo.com.br.