Monitoramento em barcos de pesca para identificação visual das manchas de óleo no mar. Se a mancha avistada for pequena, pode ser pescada com um puçá. No caso das médias, siripoias. E, para as mais volumosas e pesadas, deve-se usar um tonel perfurado, manobrado com o guincho do barco.
Não deu pra capturar o óleo na água? Então, ele pode ser conduzido — usando barcos a remo — até praias de sacrifício com redes de pesca de malha bem fina, posicionadas na diagonal em relação à faixa de areia. Informação importante: nunca conduzir o óleo contra a corrente.
Todas estas indicações estão no manual “Como Pescar Petróleo”, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) em parceria com pescadores artesanais baianos, já com o desastre do derramamento de óleo no litoral nordestino em curso.
O documento foi formatado na sexta-feira (01/11), mas ainda está passível de atualização, pois novos métodos podem ser agregados.
Nos últimos dias, o manual vem sendo compartilhado com comunidades pesqueiras de todos os estados do Nordeste, pois o óleo segue avançando e, mais ainda, volta e meia ressurge em localidades já atingidas anteriormente.
“Esse trabalho é um esforço de dar uma orientação técnica a tempo de ser usada, pois o óleo não para de chegar e ninguém sabe ao certo quanto ainda vem. Mas as principais indicações precisavam ser experimentadas antes de recomendadas”, explica Miguel Accioly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que organizou o manual junto com o professor George Olavo, da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).
“Não tivemos nem muito apoio nem tempo adequados. Então, a maioria das experimentações contou com recursos das comunidades ou pequenos apoios. A documentação e a sistematização não têm a qualidade ideal, mas é melhor uma ação mediana no tempo certo do que perder o tempo da ação”, diz.
Métodos originais do Nordeste
Partindo de orientações já disponíveis nos manuais “Posow – Preparedness for Oil-polluted Shoreline clean-up and Oiled Wildlife interventions” (Preparação para limpeza de linhas costeiras poluídas por petróleo e intervenções para a vida selvagem atingidas por óleo, em tradução livre) e do “CEDRE – Centre of Documentation, Research and Experimentation on Accidental Water Pollutio” (Centro de Documentação, Pesquisa e Experimentação em Poluição Acidental da Água, em tradução livre), ambos referências globais no assunto, os professores e pescadores fizeram adaptações para encontrar técnicas melhor adaptadas à zona costeira nordestina.
No monitoramento, os barcos devem ficar ancorados e alinhados de forma transversal à correnteza, com uma distância de aproximadamente 100 metros entre eles.
Assim, os tripulantes economizam combustível e ficam, em cada embarcação, responsáveis por um raio de 50 metros para monitorar. Se algo for avistado, pode-se usar puçás ou siripoias para capturar o petróleo.
Durante os testes, chegou-se à conclusão também que a condução do óleo até as praias de sacrifício deve ser feito sempre por embarcações a remo.
“Os motores de rabeta usados atualmente não dão manobrabilidade adequada à operação. Percebemos, com os pescadores, alto risco de acidentes. Então, eles mesmos solucionaram, mostrando ser melhor com remos”, conta Accioly.
Também existem diferenças entre a atuação em mar aberto, barras de rio grandes e profundas, barras menores, áreas estreitas de estuário e margens de manguezais.
Neste último caso, por exemplo, o monitoramento deve ser feito com pequenos barcos e o mais indicado é que sejam erguidas cortinas de palha, galhos de casuarinas ou outras espécies abundantes na região. Também é possível capturar o óleo com telas do tipo sombrite ou de construção civil.
Além disso, o manual indica que sejam montadas armadilhas fixas para capturar o óleo. Uma das opções é fixar uma série de redes como espigas ao logo das barras, mas sem fazer uma barreira contínua, o que impediria a passagem dos peixes.
Nas margens, as proteções devem ser montadas de forma a criar uma espécie de funil que conduza o óleo para locais de sacrifício. Para manter a estabilidade das armadilhas, o manual prevê o uso de âncoras Danforth ou Bruce (que fixam bem no sedimento de fundo) ou grandes poitas (pesados blocos de concreto).
“É fundamental haver preparação de todos os envolvidos, planejando a gestão da crise e ensaiando a ação. Ensaio e treinamento das equipes se mostraram essenciais para agilizar a resposta, mas também para evitar acidentes e a exposição indevida ao contaminante”, indica o manual.
“Diagnósticos das condições locais de correntezas e ventos são essenciais para deixar os envolvidos seguros e sem discordância com as estratégias da ação”, conclui o documento.
Pescadores unidos
Apenas no perímetro da Resex de Canavieiras, desde o dia 25 de outubro, cerca de 20 toneladas de óleo foram coletadas com o uso das táticas descritas no manual e na limpeza das praias.
Nas áreas de manguezais, primordiais para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas costeiros e marinhos, o óleo até penetrou, mas não em grande volume, diferentemente de outras regiões já atingidas.
“Conseguimos manter os mangues praticamente 100% limpos com essas barreiras e com o monitoramento”, afirma o pescador Carlos Alberto Pinto, membro da Associação Mãe da Resex de Canavieiras.
“Temos nove barras de rio que entram direto para os manguezais. Nossa vida depende disso aqui. Sem o mangue não somos nada”.
Num ponto um pouco mais ao sul da Bahia, na cidade de Caravelas, as dicas do manual já foram utilizadas por pescadores locais, que também tem conseguido êxito na captura de petróleo no mar e, com uma barreira montada na barra de um dos rios da região, evitam que as pelotas de óleo cru alcancem os estuários da Reserva Extrativista de Cassurubá.
“A gente já vinha se organizando, trocando mensagens com outras comunidades onde o óleo chegou antes, pra ver o que funcionava e o que não funcionava nessas ações. Na nossa divisão de tarefas, eu sou responsável pela contenção, então quando recebi esse manual foi muito bom, porque tá tudo explicado, os materiais que tem que usar e o que cada um deve fazer”, diz Alan Machado, presidente da Colônia de Pescadores Z-25, em Caravelas.
No domingo (3/11), a força da correnteza na boca do rio fez com que parte da contenção se rompesse. Se os pescadores fossem esperar a baixa da maré para fazer o reparo, uma grande quantidade de óleo iria direto para os manguezais, que ocupam mais de 10 mil hectares da região.
Sabedores do risco, eles encararam a correnteza e a maré alta e conseguiram reerguer a barreira, terminando a manutenção já pela noite. “Foi uma corrida contra o tempo. Uma corrida pelo manguezal e por nós mesmos, porque nossa região vive do extrativismo. Se isso gruda nas raízes do mangue, não sai mais.”
Para Machado, iniciativas independentes, como a dos pescadores, ganham cada vez mais força porque falta uma ação efetiva do poder público.
“Parece até que nós que jogamos o óleo no mar, por isso temos que correr atrás de limpar. Parece que só a pesca está prejudicada. Mas isso atinge muitas pessoas. É pescador, dono de pousada, dono de barraca, é muita gente. E não vemos nenhuma solução”, afirma.
Abrolhos
Localizada no extremo sul baiano, Caravelas é o principal porto de saída para o Arquipélago de Abrolhos, onde o óleo chegou no sábado (2/11). Por isso, Alan tem recebido frequentes pedidos de apoio da Marinha para que os pescadores se desloquem mar adentro e auxiliem no combate às manchas no entorno das ilhas, distantes 70 quilômetros do continente.
“Estamos agora com quatro embarcações da colônia lá na operação em Abrolhos. A Marinha monitora e quando detecta a mancha, aciona os pescadores. E aí a gente tem usado os puçás pra pescar o óleo, bem como está no manual”, disse Alan nesta terça-feira.
A Região dos Abrolhos, que engloba o arquipélago e o mais extenso conjunto de corais do Brasil, resguarda a maior biodiversidade marinha no Atlântico Sul, com mais de 1,3 mil espécies registradas entre fauna e flora. Por isso mesmo, o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, criado em 1983, foi a primeira unidade de conservação marinha do país.
Desde que as manchas começaram a se aproximar do Parque, a Marinha mantém uma esquadra de 10 navios na região, o que não impediu que pelotas de petróleo chegassem à Ilha de Santa Bárbara.
Questionado sobre a atuação dos pescadores após pedidos de auxílio, o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), liderado pela Marinha, não respondeu à BBC News Brasil.
As investigações sobre o crime de derramamento de petróleo, também lideradas pela Marinha, apontam como principal suspeito o navio grego Bouboulina. A empresa Delta Tankers, proprietária da embarcação, nega o crime a afirma que ainda não foi notificada pelas autoridades brasileiras.
De acordo com a atualização feita na segunda-feira (4/11) pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 343 localidades de 110 municípios já foram atingidas pelo óleo.
Neste registro não consta, entretanto, Mucuri, a última cidade litorânea da Bahia antes da divisa com o Espírito Santo. Ali, segundo Alan Machado, colegas pescadores já encontraram pequenas pelotas.
O próprio Alan afirma também que, pelo comportamento dos ventos, o petróleo já está na costa capixaba, mesmo que ainda não tendo aparecido em nenhuma praia.
Fonte: BBC