O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu nesta quarta-feira (3) a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) no primeiro encontro de trabalho entre os dois após a vitória no segundo turno, utilizou o ditado popular “Rei morto, rei posto” para resumir o papel que pretende ter no futuro governo dilmista, que começa em 1º de janeiro. Lula, que frequentemente critica o fato de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) opinar sobre políticas de sua gestão, admitiu que pode apresentar conselhos “se um dia for pedido” e só “se for para ajudar” e disse que não pretende interferir na montagem do primeiro escalão do governo de sua sucessora.
“A bola está com a senhora, dona Dilma. Monta o seu time que eu estarei na arquibancada, de camisa uniformizada, sem corneta, batendo palma e nunca vaiando”, declarou o presidente, que classificou como uma “temeridade” arriscar voltar ao governo em 2014.
De saída do Palácio do Planalto, Lula comentou ainda assuntos que ficaram pendentes em seus oito anos de governo. Disse que aguarda um pronunciamento do Ministério Público – apesar de desde maio o processo estar concluído – para decidir se concede ou não refúgio político ao ex-extremista italiano Cesare Battisti; que conversará com a nova presidente sobre a indicação de mais um ministro do STF e que poderá decidir – sem garantia para este ano – sobre a compra de 36 aviões de caça para o projeto FX-2 da Força Aérea brasileira.
Confira os principais pontos da entrevista concedida pelo presidente Lula:
Democracia
– Quero falar da minha alegria profunda pelo comportamento democrático do povo brasileiro mais uma vez. Eu acho que ninguém mais tem dúvida de que o povo brasileiro é democrático, tem um comportamento democrático e valoriza a democracia como um valor inestimável porque ele compareceu às urnas duas vezes, numa primeira vez elegeu deputados estaduais, senadores, governadores, quase que elege a Dilma no primeiro turno, e no segundo turno votou com o mesmo carinho, com a mesma força, para eleger o próximo governante do país. E quis Deus e a maioria do povo que fosse a Dilma a escolhida.
Formação do novo governo
– Eu tenho acompanhado domingo, segunda e terça a imprensa e já vi governo montado, já vi governo destituído, já vi cargo indicado para tudo quanto é lado, e eu acho importante dizer uma coisa. Fui eleito em 2002 e eu tenho a exata noção da sensação da montagem de um governo. Você levanta de manhã, abre o jornal e está a fotografia de uma pessoa que você nunca pensou em colocar no governo, mas está lá como escolhida. Ou uma pessoa que você quer colocar que está lá destituída. Ou seja, é um samba maluco, alucinante a quantidade de informações. Possivelmente, alguém passa para vocês, alguém vaza ou alguém que tem interesse que alguém não seja e começa a queimar um daqui, a enaltecer outro. E como a Dilma vai viajar, eu acho importante dizer para vocês que pela minha experiência de vida e de montagem de governo. Primeiro: o governo da Dilma tem que ser a cara e a semelhança da Dilma. É ela, e somente ela, que pode dizer quem ela quer e quem ela não quer. Somente ela é que pode dizer aos partidos aliados se concorda ou não com as pessoas e somente ela e os partidos aliados é que vão construir a coalizão.
“Rei morto, rei posto”
– Vou repetir uma coisa que é importante repetir para que vocês nunca mais esqueçam. Na minha cabeça, funciona a seguinte tese: rei morto, rei posto. Eu disse a vocês que iria dar lição de como se comporta um ex-presidente. Um ex-presidente não indica, não veta. Um ex-presidente poderá dar algum conselho se um dia for pedido. Se for para ajudar. Se for para atrapalhar, nunca.
Economia
– Quando escolhemos a Dilma para ser presidente, nós tínhamos a convicção da possibilidade dela ganhar e ela ganhou. Para mim e para as pessoas que fazem parte do meu governo, nós vamos torcer para o sucesso da Dilma como se tivesse torcendo para o nosso sucesso. O que ela vai ter de vantagem sobre mim? Ela vai ter de vantagem, primeiro, ela ajudou a colocar esse carro em marcha, então, o carro não está na garagem. Os pneus estão calibrados, o motor está regulado, o carro está andando a 120km/h. Ela, se quiser, pode pisar um pouquinho mais no acelerador e chegar a 140km/h, 150 km/h. Não tem por que brecar esse carro. Só tem que dirigir com muita responsabilidade e olhar bem as curvas. Não passar quando tiver duas faixas ali amarelas, tem que ir com cuidado. Porque a Dilma aprendeu na Unicamp e no governo que ela foi chefe da Casa Civil de que em economia não existe mágica. Não existe ninguém capaz de tirar da cartola um coelhinho e vai fazer as coisas acontecerem como se fosse um milagre. É seriedade, é compromisso, é previsibilidade e isso ela tem de sobra para fazer o país dar certo.
Oposição
– Eu queria dizer para vocês, porque fui oposição muito tempo e porque fui governo muito tempo, que eu possivelmente tenha uma vantagem de ser o cara que mais perdeu eleição para presidente, mais do que o Serra que perdeu duas, eu perdi três, ou seja, quando a gente perde a gente fica sisudo, a gente sabe. Dilma é uma outra pessoa. A Dilma vem de uma formação política admirável. Queria pedir à oposição que no dia 1º de janeiro, contra mim não tem problema, pode continuar raivosos, do jeito que sempre foram. Mas a partir de 1º de janeiro, que eles olhassem um pouco mais o Brasil, que eles torcerem para que o Brasil desse certo, que eles ajudassem o Brasil a dar certo. Não vou falar em unidade nacional porque essa palavra já é queimada e mal usada, mas queria pedir a compreensão que dentro do Congresso Nacional a nossa oposição não faça contra Dilma a política que fez comigo, a política do estômago, a política da vingança, do trabalhar para não dar certo. A oposição tem um outro papel, e ela pode fazer isso até porque a oposição governa Estados importantes e sabe que a reação institucional tem que ser a mais harmoniosa porque senão todos perdem. Na minha opinião, a oposição tem que continuar sendo oposição. Agora, tem que saber diferenciar o que é o interesse nacional que envolve o povo brasileiro e a briga política e partidária.
Ditadura
– O que algumas pessoas viam como defeito na Dilma eu via como virtude, o fato de ela muito jovem ter resolvido ter coragem de brigar para garantir a democracia nesse país. Acho que a chegada da Dilma ao poder é a vitória daqueles que perderam em 1968 e que muitos estavam desacreditados, e a Dilma provou que no jogo democrático é possível chegar ao poder. Ela chegou, chegou com experiência de quem conhece o Brasil como ninguém, de quem conhece a máquina pública.
Fim da CPMF
– Eu não esqueço nunca que por conta disso essas pessoas tiraram R$ 40 bilhões ano, R$ 160 bilhões no mandato tiraram da saúde. E todo o governador, qualquer prefeito sabe que é preciso ter dinheiro para a saúde se a gente quiser dar um atendimento de qualidade, se a gente quiser melhorar a vida do povo brasileiro.
Descanso de Dilma
– Então, eu acho que acabou a eleição, é hora de descansar dela e depois de trabalhar e trabalhar muito. Como eu conheço o jeito da Dilma, a forma como ela trabalha, eu posso dizer para vocês que vocês terão aqui dentro do Planalto possivelmente uma das pessoas que mais capacidade de trabalho eu conheci na vida. Uma pessoa que não tem horário, que não tem sábado, que não tem domingo.
Processo eleitoral
– Quero dizer que eu sou grato a tudo o que tem acontecido no Brasil. A Dilma sabe que ela não pode ficar com raiva do que aconteceu no processo eleitoral. Depois de terminadas as eleições a gente tem que pensar no dia seguinte. É como se um jogador de futebol tomasse uma cotovelada e só ficasse pensando naquela cotovelada e se vingar. Na cabeça de um presidente não tem que ter o pensamento da vingança, da raiva, do ódio. Quem sofre é quem tem esse sentimento. Então, acho que a Dilma tem que agradecer a Deus, ao eleitor brasileiro. Ela é a presidente e agora é preparar o time.
Medidas Impopulares
– Nós não temos pela frente medidas impopulares. Quando a gente diz medida impopular no Brasil é que normalmente as pessoas fazem alguma sacanagem contra o povo antes de deixar o mandato. Não há nem necessidade, nem quero que isso aconteça nem a Dilma quer que aconteça. O que vamos fazer é o que sempre fiz: O que for necessário fazer para garantir que a Dilma receba no dia 1º de janeiro o governo com toda a tranquilidade, sem nenhuma preocupação e nenhum percalço.
Câmbio
– Câmbio é uma coisa que, nem eu, nem ela, não é assim que funciona. A única coisa que temos em comum é que queremos o câmbio flutuante. A única coisa que temos em comum, a segunda coisa que achamos em comum é que os EUA e a China estão fazendo uma guerra cambial. Os EUA, que querem resolver o problema do déficit fiscal dele e a China porque sabe que não pode continuar com sua moeda subvalorizada como está. Então, eu vou para o G-20, agora, para brigar. Se eles já tinham um problema para enfrentar, o Lula, agora, vão enfrentar o Lula e a Dilma. Guido e Meirelles (ministros da Fazenda e do Banco Central, respectivamente) sabem que têm que acompanhar essa questão do câmbio. Nós temos uma preocupação muito séria e vamos tomar cuidado. Vamos tomar todas as medidas necessárias para que a gente possa não permitir que a nossa moeda fique subvalorizada.
Caças
– Esse é um assunto que por uma questão de responsabilidade eu tinha deixado passar o processo eleitoral para conversar. Vou esperar a Dilma ter o seu descanso merecido e depois então vamos discutir eu, ela e o Jobim a questão dos caças.
Battisti
– Eu estou dependendo do procurador-geral da República. Se ele me der um parecer, qualquer que seja o parecer dele eu vou acatar porque ele que é o advogado, o orientador do presidente.
Novo Ministro do STF
– É a mesma coisa, veja. Eu tinha uma eleição presidencial, eu tinha o direito de indicar mais um ministro do STF, achei prudente não indicá-lo antes de conversar com quem fosse eleito. Como a Dilma foi eleita, estou conversando com ela aqui. Nome já tem. Essas coisas a gente não conta. Vou discutir com a Dilma, Se o Serra tivesse sido eleito discutiria com ele do mesmo jeito. Ela pode (vetar). Quero propor pra ela exatamente para ela dizer se quer ou não porque vai ser no mandato dela. A pessoa vai ser ministra durante todo o mandato dela.
Salário-minímo
– A única coisa que eu quero é o seguinte: é muita tranquilidade, não temos que tomar nenhuma medida precipitada. A questão do salário-mínimo, veja, temos um projeto de lei e uma prática já adotada por nós em 8 anos de governo. Nosso projeto prevê a recuperação do salário-mínimo até 2023. É uma política extraordinária porque damos o PIB de dois anos atrás mais a inflação do período. A Dilma sendo presidente vai tomar a atitude que ela quiser. Ela pode falar o seguinte: vou tentar compensar esse ano. Pode fazer isso. Vamos chegar em 2023 com a recuperação total do poder aquisitivo do salário-mínimo. Agora, gente, isso era promessa do Serra R$ 600,00 que eles poderiam ter feito quando governaram o país. Como o povo não acredita em promessas feitas de última hora… Precisam aprender que o povo não é massa de manobra. Tem gente que ainda trata o povo como se fosse uma boiada. Tocam o berrante e o povo vai atrás. Não é mais assim, não. O povo está sabido. O povo está esperto, sabe o que é política séria e o que é promessa. É por isso que a Dilma ganhou as eleições sem precisar entrar na fase das promessas fáceis.
Congresso
– O Congresso é a cara da sociedade. Fico olhando vocês aqui, e o Congresso é a média da cara de vocês. O Congresso é a síntese da sociedade brasileira. Tem gente de todo espectro social, tem gente de todas as origens, tem gente de todas as cores, tem gente de todos os Estados. A gente tem o hábito de menosprezar, muitas vezes por preconceito. As pessoas são eleitas. Você tem um cidadão que é eleito com 10 milhões de votos e outro que é eleito com um milhão de votos. Quando eles chegam aqui cada um vale um voto, não tem melhor ou pior. Um presidente da República se relaciona com a força política eleita. Ele não se relaciona com a força política que ele gostaria que fosse eleita. Então a companheira Dilma, a nossa futura presidenta, vai ter que se relacionar com os 81 senadores que estão aí, do DEM, do PTB, do PT, do PMDB, do PSB, ou seja, ela não vai inventar. Ela não pode criar novos partidos e criar novos senadores. São os que estão aí, e todos têm direito a um voto. Ela vai se reunir com o Congresso Nacional e com a Câmara do mesmo jeito. Ela não pode dizer ‘não, eu não quero aquele deputado, tem que vir outro’. Mas foi eleito. Ela vai ter que conversar, ela vai ter que conversar com o companheiro do PCdoB e vai ter que conversar com o Tiririca, vai ter que conversar com o PCdoB, vai ter que conversar com o PT, com a oposição e a situação. Essa é a lógica do jogo. O que ela vai ter melhor do que eu tive? Ela vai ter teoricamente uma bancada mais consolidada na Câmara dos Deputados e vai ter uma bancada mais consolidada no Senado. Certamente nós teremos senadores com menos raiva que alguns que saíram. Só o fato de o cidadão não ter raiva, só o fato de o cara ser civilizado e ao invés de gritar, conversar, ao invés de querer bater, negociar, isso já é meio caminho andado.
Mesmos ministros
– Não, quem sou eu? Nem o Mano Menezes, quando foi convocado para a Seleção, pediu ao técnico do Corinthians manter o jogador que ele mantinha? Como é que eu vou pedir? A Dilma tem que montar o time dela. Ela é agora a pessoa que vai ser o técnico titular dessa Seleção. Então ela vai escolher quem ela quiser para a posição que ela quiser. Não vou participar da transição. Na transição ela monta uma equipe de transição que vai conversar com a equipe do governo. A continuidade é nas políticas, e não nas pessoas.
Conselhos
– É difícil dar conselho. A Dilma conviveu comigo nesses oito anos nos bons momentos, nos maus momentos, nas horas em que a gente tinha de chorar, nas horas em que a gente tinha que rir, e a Dilma sabe que ela tem que montar uma equipe que primeiro seja harmoniosa. Falo muito de futebol porque todo mundo entende de futebol, ou pelo menos pensa que entende. Mas se o time não estiver coeso, se o time não estiver treinado e não tiver uma coisa de muita harmonia entre os jogadores, se eles estiverem brigando entre si, o jogo não dá certo. Essa mulher tem o direito de montar uma equipe excepcional. Primeiro porque ela conhece muito mais gente que eu conhecia em 2002, segundo porque a relação com os partidos está muito mais consolidada do que em 2002, terceiro porque ela passou oito anos no governo, ela conhece por dentro e por fora, conhece as pessoas boas e as pessoas que não são tão boas, conhece os craques e os que não são tão craques. Portanto, a bola está com a senhora, dona Dilma. Monta o seu time que eu estarei na arquibancada, de camisa uniformizada, sem corneta, batendo palma e nunca vaiando.
2014
– Essa é uma grande bobagem que se fala. Quando eu falo ‘rei morto, rei posto’, é porque eu acho que quem vai sair do governo, como eu vou sair, tem a responsabilidade de pensar, contar até um milhão, em voltar algum dia, porque chegar ao final do mandato com o reconhecimento popular que tem o governo, com a aprovação do governo como um todo e com a provação pessoal minha, voltar é uma temeridade, porque a expectativa gerada é infinitamente maior. Se tem uma coisa que vocês precisam ter consciência é que eu entendo um pouco de política, entendo um pouco de sentimento da sociedade ¿ vocês sabem que se tem uma coisa que eu sei é conversar com o povo ¿ e eu acho que tudo o que eu desejo na vida, tudo que eu peço a Deus é que a Dilma faça as coisas que ela sabe fazer. Não precisa inventar nada, ela sabe o que tem que ser feito, ela conhece, já fez, ela pode aprimorar, vai ouvir a sociedade. Tenho certeza que se ela fizer tudo que ela sabe que tem que fazer ela tem todo o direito de em 2014 ser candidata outra vez. Agora, eu queria dizer para vocês que também é muito pequeno neste momento a gente estar discutindo 2014. A gente deveria estar discutindo 2011, 2014 a gente discutir a Copa do Mundo, 2016 a gente discutir as olimpíadas e deixar para discutir as eleições um pouco mais para a frente porque se não vai ter uma enxurrada de bolinhas de papel batendo nas nossas cabeças até 2014, e nós não queremos isso.
Fonte: Laryssa Borges/Terra