CNJ contesta privatização dos cartórios baianos e diz que é ‘inconstitucional’

Ministra Eliana Calmon diz que projeto aprovado é inconstitucional

“Os deputados aprovaram o projeto de privatização dos cartórios à revelia das orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Caso haja ação na Justiça, a privatização pode ser barrada por completo. Há pontos que tornam o projeto inconstitucional”.

Essa é a avaliação da ministra Eliana Calmon, corregedora Nacional de Justiça, sobre o projeto aprovado anteontem por unanimidade pela Assembleia Legislativa da Bahia. Os parlamentares haviam consultado a ministra anteriormente, mas não seguiram as suas recomendações na aprovação da privatização dos cartórios extrajudiciais da Bahia, único estado que ainda tem cartórios públicos.

“Indiquei que os cartórios não poderiam ser privatizados em sua totalidade de uma única vez, pois fere a Constituição. Quem hoje está à frente do cartório ganhou esse direito e não pode perdê-lo antes de morrer ou se aposentar”. Outra incongruência jurídica, segundo a ministra, é o fato do projeto ter colocado num único artigo a privatização dos cartórios vagos (cerca de 400) e dos que estão ocupados.

“Se algum órgão entrar com ação, o Supremo Federal vai barrar todo o projeto de privatização. Pedi que os deputados fizessem artigos separados, já que a privatização dos cartórios vagos era consenso. Eles não me ouviram”.

O deputado Zé Raimundo (PT), relator do processo, diz que não há falhas no projeto. “Respeito a interpretação da ministra, mas a interpretação das leis pode ser variada. Vamos contestar qualquer ação de embargo ao projeto”.

Tribunal

A presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ), Telma Brito, desejava a privatização de forma paulatina. Ontem, ela chegou a dizer no pleno do TJ, diante dos desembargadores, que louvava a decisão dos deputados de privatizar os cartórios. Contudo, através de sua assessoria, informou que vai analisar os termos aprovados no projeto com o objetivo de identificar incongruências jurídicas.

“De antemão, o TJ visualiza problemas na manutenção dos pequenos cartórios e, por isso, após a sanção pelo governador Jaques Wagner, o TJ vai estudar a viabilidade da lei aprovada pelos deputados para atestar a constitucionalidade dessa decisão”. A AL informou que o projeto deve ser enviado hoje para o governador, que tem até 15 dias para dar seu parecer.

A presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Bahia (Sinpojud), Maria José Silva, destacou que a privatização é um ganho para os serventuários. “Depois de privatizar, dos 1.789 serventuários lotados nos cartórios extrajudiciais, 966 ficariam a disponibilidade do TJ e 823 titulares de cartórios poderão optar pelo regime privado ou continuar no serviço público”.

Fundos

Para tornar atrativos os cartórios menos rentáveis, o projeto criou o Fundo Especial de Compensação com destinação de 23% dos lucros para ser dividido por todos os cartórios e 2% para a defensoria pública.

A defensora pública geral do estado, Célia Padilha, disse que esse recurso somado ao orçamento de R$ 98 milhões da defensoria trará desenvolvimento para a instituição. “Essa é a melhor parte da privatização”.

Advogados podem concorrer

Com a aprovação do projeto, a gestão e a exploração financeira dos cartórios passarão a ser feitas por particulares, que devem ser escolhidos através de concurso público. O relator do processo, deputado Zé Raimundo, explicou que o projeto tem 120 dias para entrar em vigor após sanção do governador.

Pelo projeto, podem concorrer às concessões para gerir os cartórios bacharéis em direito com diploma e não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, 10 anos de exercício em serviço notarial ou de registro.

“Os servidores dos cartórios têm até 31 de dezembro para indicar no TJ se querem ser empreendedores à frente dos cartórios. Caso eles não queiram ficam à disposição do TJ”, destacou o deputado.

Esse é outro ponto que, segundo a ministra Eliana Calmon, está errado. “Para qualquer cargo público é necessário fazer concurso. Não se pode apenas dizer que quer ser empreendedor para ser. Tem que fazer concurso. Isso não pode ser automático”.

O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB), Antonio Menezes, não acredita na inconstitucionalidade do projeto. “Alega-se que o projeto fere a Constituição, mas em nenhum momento o projeto tira o direito de quem é concursado recorrer da decisão. Para a OAB, o projeto é constitucional”.

O TJ informou que no inicio do mês de agosto criou uma comissão para coordenar a realização dos concursos, mas que ainda não tem como informar quando as provas serão realizadas. A OAB defendeu a privatização total dos cartórios, pois abrirá vagas para o mercado de trabalho para advogados.


Fonte: Jorge Gauthier / Correio da Bahia

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