Será que na era da Internet algum ainda se utiliza da carta? Quando trabalhava em Irecê e minha namorada e futura esposa morava em Salvador, o meio utilizado era a carta, não existia celular, a elaboração era demorada, e tinha que levar ao correio, e o recebimento em 3 a 4 dias.
No século XX a carta não tinha perdido o valor, e isto pode ser atribuído à crescente valorização da verdade e da autenticidade pessoal, que hoje não temos. A carta era o sentido da palavra, ela era um meio de revelar a subjetividade e compartilhá-la socialmente. Assim, a decadência iminente da cultura epistolar reflete um colapso da capacidade de expressão e por fim o colapso da própria subjetividade. Se cartas são de fato vitrines da alma, nas quais só se pode apresentar o que há em estoque ali dentro.
Chegamos perto de desvendar esse mistério quando entendemos que uma carta não se esgota jamais na expressão, mas contém um excedente que recai sobre o autor. É certo que toda carta reflete algo dado – um estado de espírito, um caráter, uma personalidade, – mas a coisa não para por aí. Pois a carta também confere a tudo que expressa um grau maior de realidade; e assim ela repercute sobre o autor, provocando uma ressonância psíquica. Cartas eram expressões de uma relação, mas, ao mesmo tempo criavam essas relações e a moldavam.