Em meio a essa batalha, do vírus com o ser humano, protagonizada pela maior pandemia dos últimos cem anos e sob a sombra de um milhão e quinhentos mil mortes no mundo, se desenvolve isso que chamamos de vida cotidiana. Vivemos um destes raros momentos em que a compressão de mundo se altera e algo até então visto como impossível passa a ser admitido, mesmo sem ser compreendido, que é a não realização do carnaval.
Esta festa, que é um delírio flutuante e imagístico que se apossa da alma dos baianos e turistas através da música, e do colorido dos blocos, e tem uma expressão marcante quando olhamos os rostos da parcela mais pobre com uma alegria do fundo do coração, e que neste curto período de momo, estão em êxtase com as sensações borbulhantes na alma. É como se o que há de mais real, que é a vida dura do dia a dia, fosse coberto por um tecido até algo abrir um buraco nela e revelar durante seis dias a magia da música e da dança.
Mas em 2021, um destino desconhecido nos espera, atrás: todo o passado de dor com quase duzentas mil mortes no Brasil, esta inquietação difusa em relação ao futuro resvala no espelho de luz e som, com gente dançando transformando a festa em um borrão de restrições sanitárias enquanto a vacina não for aplicada. Na profundeza do viver brilhará na alma do povo alegre a estrela da tristeza.
O sonho do carnaval foi sufocado pelo vírus, prejuízos financeiros existirão mas aquela extensa bagunça de tráfego e movimentação na cidade será um alívio para uma parcela da população que serão premiados com o abençoado silêncio. E baianos e turistas não avançarão, neste ano, nas areias movediças do sonho do carnaval. A fumaça da ilusão estará no viver cada dia com sua realidade dura. E em 2021 o carnaval vai substituir a ação pela reflexão.
*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe no site www.osollo.com.br.