Lembro de ter saído do bloco Coruja com a fantasia de mexicano, com calças compridas, uma faixa vermelha na cintura, com bigodes e costeletas pintadas no rosto…
De pouco mais me lembro, mas creio que éramos nada menos que mexicanos. Também tenho uma vaga noção de que cheguei a mosqueteiro, mas não estou muito seguro. O que me encantava, não estou certo mas era da ladeira do pelourinho, e achava mágico a transfiguração das pessoas. As pessoas que eu via todo dia, sérias, em seus trajes vulgares, de repente viravam piratas, cowboys, palhaços e mosqueteiros.
De um certo ponto de vista parecia que eu “acreditava um pouco nas fantasias, isto é, passava a associar aquelas pessoas às fantasias que tinham usado no carnaval, como se essas fantasias fossem a sua verdade secreta. O disfarce era uma revelação, eis o que eu sentia inconscientemente.
O cheiro dos lança-perfume, os confetes, as serpentinas, a música, tudo era transfiguração. Para uma pessoa tímida, as mocinhas deixavam de ser intocáveis ao mesmo tempo que ficavam muito mais maravilhosas-ciganas, piratas de coxas nuas, odaliscas e bailarinas.
Só no carnaval eu tinha coragem de dançar, ele é a grande festa dos tímidos. Moças que passavam por mim na rua apenas murmurando um “bom dia” com um rápido olhar – que milagre! – no carnaval sorriam, cantavam para mim, olhos nos olhos, se deliciavam com o lança-perfume, deixavam que eu enchesse seus cabelos de confetes, que as prendesse eternamente com voltas de serpentina – e havia momentos de quase êxtase no tumulto das danças.
*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe semanalmente no site www.osollo.com.br.