O médico sentado na sua frente começa a falar sobre tumores nas radiografias que, segundo esclarece, é do tamanho de uma tangerina, mas você não é capaz de se concentrar no que ele diz. É claro que ele não usa essa palavra, é uma palavra que ninguém pronuncia, uma palavra que precisa ser adivinhada por trás do jargão médico despejado em cima de você. Até parece uma palavra maldita, um insulto, um tabu.
Do tamanho de uma tangerina, foi o que ele disse. Existe, mas foi adiando o exame, para não confessar a si mesmo a dor lancinante, o cansaço extremo. Enxotou a ideia, mas hoje precisa encarar. Isso existe, está aí. Uma tangerina, é enorme. O tumor é maligno, sorrateiro, preparou seu ataque em silêncio, no escuro. Você observa o médico, seus lábios se mexendo, mas as palavras não parecem tocá-lo. É como se as percebesse através de um filtro acolchoado, como se, no fundo, elas não lhe dissessem respeito. Escuto o médico sem acreditar, como se ele estivesse falando de outra pessoa, sem qualquer relação com você.
Jung disse: “A triste verdade é que a vida do homem consiste em um complexo de fatores antagônicos inexoráveis: a felicidade e o sofrimento, o bem e o mal. Não nos resta nem a certeza de que um dia um destes fatores vai prevalecer sobre o outro, que o bem vai se transformar em mal, ou que a alegria há de derrotar a dor. A vida é uma batalha. Sempre foi e sempre será”.