Acostumados que estamos às notícias negativas sobre os males causados por excesso de gordura no corpo e aos muitos alertas de que o consumo de café pode ser igualmente maléfico, causaram surpresa as mais recentes divulgações científicas sobre os temas: a primeira, que existe um tipo de gordura no corpo que, quanto mais, melhor; a segunda, que tomar café pode ser benéfico ao ajudar essa gordura a entrar em ação, contribuindo para a perda de peso – para alguns pesquisadores, uma aposta no combate à obesidade.
É o que indica um artigo de cientistas da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, publicado nesta semana no periódico “Scientific Reports”.
O estudo analisou os efeitos de um copo de café na gordura marrom em humanos, um tipo de tecido descoberto recentemente em adultos e que, diferente da gordura mais famosa, a branca, é inversamente proporcional ao peso – ou seja, pessoas obesas tendem a apresentar menos gordura marrom no corpo e as mais magras, mais gordura deste tipo.
Também diferente da gordura branca, que armazena energia, a marrom queima calorias. Enquanto a branca está em todo o corpo, como na barriga e abaixo da pele, a marrom está em camadas mais profundas, na região do pescoço e do coração.
Outra característica dessa gordura recentemente confirmada em adultos é seu papel fundamental no controle da temperatura do corpo, esquentando-o e aumentando a atividade no frio – tanto que, há até pouco tempo, o comum era mostrar sua presença em mamíferos que hibernam e em bebês.
“Era apontado o papel da gordura marrom na termorregulação no corpo dos bebês, que precisam se adaptar a temperaturas diferentes do ambiente intrauterino”, explica José Carlos de Lima Júnior, médico e pesquisador de pós-doutorado em biologia vascular na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Mas, nos últimos dez anos, a gordura marrom ganhou muito destaque depois que pelo menos três grupos de pesquisa descreveram que ela existe em adultos”.
“Ela se tornou então o ‘Santo Graal’ na busca por tratamentos para obesidade”, diz Lima Júnior, pesquisador no Centro de Pesquisa de Obesidade da Unicamp, que já divulgou trabalhos importantes acerca da gordura marrom.
Mas, segundo o pesquisador, a possibilidade de um medicamento que mire a gordura marrom para tratar a obesidade ainda é distante e até frustrada – até agora, pareceu difícil contornar efeitos colaterais importantes, como o aumento da frequência cardíaca.
É aí que entram os cientistas de Nottingham.
Pimenta e café
Os autores da pesquisa publicada na “Scientific Reports” testaram o papel da cafeína em duas frentes: em uma, colocando uma dose em contato com células in vitro; em outra, deram para nove voluntários saudáveis um sachê de 1,8 g de café instantâneo dissolvido em 200 ml de água e depois observaram alterações corporais através de exames de imagens.
As células mostraram atividade metabólica aumentada, como no consumo de oxigênio e abundância de proteínas. Nos indivíduos, a região do pescoço teve aumento de temperatura, o que segundo os autores indica também mais atividade em uma região que coincide com a presença da gordura marrom.
“Juntos, esses resultados demonstram que a cafeína pode estimular as funções da gordura marrom (…) e que esta tem o potencial de ser utilizada terapeuticamente em humanos adultos”, diz um trecho do artigo.
Os autores dizem ainda que, na literatura, já houve diversos trabalhos que associaram o consumo de cafeína à perda de peso, mas nenhum analisou especificamente este papel na gordura marrom.
“Este é o primeiro estudo a determinar que os efeitos estimulantes da cafeína (…) observados in vitro podem ser traduzidos em humanos adultos após a ingestão de uma dose de café comumente consumida”.
Lima Júnior diz que muitos pesquisadores têm apostado no papel que os alimentos e alguns compostos naturais podem ter para estimular a gordura marrom, apesar de ser incerto ainda o alcance real da dieta – por exemplo: O quanto de café precisaria ser ingerido para que isso de fato tivesse impacto no tratamento da obesidade?
De todo modo, ele lembra que pesquisadores americanos já demonstraram os impactos positivos da pimenta no aumento da atividade da gordura marrom.
“Mas o principal estímulo (à gordura marrom) é o frio. Tanto é que, inicialmente, ela foi descrita em trabalhadores que atuam em áreas externas de países escandinavos. Eles tinham maior volume desse tecido no pescoço”, menciona o brasileiro, apontando que um clima tropical como o nosso pode limitar a ação deste tecido na perda de peso.
O pesquisador explica ainda que, em geral, pessoas mais velhas e diabéticos apresentam menor quantidade de gordura marrom.
E, se a gordura marrom foi o “Santo Graal” há alguns anos, agora parece que existe também uma “menina dos olhos” – a gordura bege, que parece ter origem como uma célula branca mas ser capaz de transformar-se em marrom.
“As células de gordura bege estão presentes em todo corpo, e em quantidade cerca de dez vezes maior que a marrom. Ela parece ser capaz de se modificar entre a branca e a marrom”, aponta.
Fonte: EBC