Desde o ano 2000, o número de mulheres presas no Brasil quadruplicou enquanto, no mundo, a população prisional feminina cresceu 60%, somando 740 mil mulheres.
Com o aumento desproporcional, o Brasil bateu a marca das 42 mil presas, ultrapassou a Rússia (37 mil) e assumiu a terceira posição no ranking dos países com mais mulheres atrás das grades. A lista é encabeçada por EUA (211 mil) e China (145 mil).
Os dados são da quinta edição do World Female Imprisonment List, levantamento global sobre mulheres presas realizado pelo ICPR (sigla em inglês para Instituto de Pesquisa em Políticas Criminal e de Justiça) de Birkbeck College (Universidade de Londres), no Reino Unido.
Para comparação, considerando homens presos, o Brasil ocupa desde 2017 a mesma terceira posição no ranking global, também atrás de EUA e China. Desde 2000, essa população aumentou 22% no globo —quase um terço do crescimento entre mulheres.
A taxa de encarceramento feminino no Brasil, que em 2000 era de 6 presas para cada 100 mil mulheres, agora é de 20, o que coloca o país em 15º lugar no ranking proporcional —liderado por EUA (64), Tailândia (47), El Salvador (42), Turcomenistão (38), Brunei (36), Macau, na China, (32), Belarus (30), Uruguai (29), Ruanda (28) e Rússia (27).
O documento britânico compila dados prisionais de fontes oficiais e destaca tanto o fornecimento incompleto de dados pelo governo da China quanto a indisponibilidade total de informações de outros cinco países: Cuba, Etiópia, Coreia do Norte, Somália e Uzbequistão. As informações sobre o Brasil são de dezembro de 2021.
Os dados consideram tanto presas provisórias (aquelas que ainda não foram julgadas) quanto condenadas. No Brasil, 45% das mulheres encarceradas são presas provisórias.
Para Catherine Heard, diretora do projeto no ICPR, é preocupante o aumento de mulheres presas porque as evidências mostram que a prisão é particularmente prejudicial para elas. “Seus impactos adversos continuam por muito mais tempo e podem causar danos irreparáveis, não apenas às mulheres, individualmente, mas também a seus filhos.”
No Brasil, 74% das mulheres presas são mães e 56% têm dois ou mais filhos, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública de 2018.
“Muitas mulheres presas são mães que têm sido a principal ou a única cuidadora de seus filhos. Portanto, as consequências de cada vez mais mulheres serem presas são sérias para famílias, comunidades e para a sociedade como um todo”, afirma Heard.
Segundo ela, observar o sistema prisional através de um recorte de gênero é importante porque “mulheres presas, em geral, vêm de um contexto de privação e desigualdade”.
Entre as presas brasileiras, 63,5% são mulheres negras, 47,3% são jovens e 51,9% têm apenas o ensino fundamental incompleto. Além disso, dados de 2018 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a partir do registro no CadÚnico mostram que a mediana da renda familiar mensal per capita de mulheres presas era de R$ 40 enquanto a de mulheres não presas era de R$ 100.
Para Karine Vieira, que passou pelo sistema carcerário de São Paulo antes de criar a ONG Responsa, em que auxilia egressas de presídios numa nova jornada fora do crime, as mulheres entram na criminalidade por fatores diversos, mas uma parte considerável é por questão de sobrevivência e de autonomia.
“Há um crescimento enorme de mulheres que buscam gerar renda para manter sua vida, seus lares, seus filhos e, por falta de oportunidade, encontram na criminalidade uma maneira de sobrevivência”, avalia ela.
“São mães solos, mulheres que romperam relacionamentos, entre outras. É importante enxergarmos que boa parte delas são mulheres periféricas, com baixa escolaridade e pouco acesso.”
Heard, a diretora do programa de dados prisionais do ICPR, aponta que o aumento exponencial de mulheres presas no Brasil teve como motores o “uso praticamente automático da prisão preventiva nos casos de acusação de crimes ligados a drogas e as altas penas aplicadas a esses casos”.
No Brasil, 3 a cada 5 mulheres presas respondem por crimes relacionados à Lei de Drogas (11.343), de acordo com o Infopen 2018.
“Os países que apresentaram os maiores crescimentos [de mulheres presas] tiveram ‘guerra às drogas’ muito duras nos anos recentes, o que envolve políticas de tolerância zero até para práticas menores, como posse para uso pessoal”, diz Heard. “Essas são políticas exportadas dos EUA para a América Latina e também para alguns países da Ásia, como a Tailândia”, explica.
Para a pesquisadora britânica, é importante observar que as mulheres presas “têm histórias anteriores de traumas, problemas de saúde mental, desamparo, abuso de drogas ou álcool e violência sexual ou doméstica”.
No Brasil, a maioria das mulheres presas relata uma trajetória de violências. Estudos no Rio de Janeiro e em Santa Catarina apontaram que a cada 4 presas 3 sofreram violência na infância ou adolescência e que os casos de violência doméstica praticada por parceiro têm proporção ainda maior.
Segundo Heard, “a prisão traumatiza novamente essas mulheres e as distancia ainda mais dos mecanismos de apoio, aumentando o estigma aos olhos da sociedade”, o que dificulta a retomada da vida fora do crime.
Heard aponta para o fato de mulheres serem majoritariamente acusadas por crimes não violentos e de muitas ficarem presas porque não têm como pagar multas e fiança ou, em alguns casos, terem dificuldade em obter representação legal.
“A prisão muitas vezes só perpetua a violência estrutural e de Estado”, avalia.