Belchior

 

Belchior foi um dos primeiros cantores de MPB do nordeste brasileiro a fazer sucesso internacional, em meados da década de 1970. Quando vi sua imagem parecia para mim, um médico ou um professor: usava um terno surrado e tinha o cabelo preto penteado para trás e uma expressão pensativa.

Tinha um olhar que não admitia réplica, um olhar que era como chama de um maçarico, havia nele uma incerteza, uma espécie de olhar que parecia conservar um vestígio de juventude em meio a feições cada vez mais marcadas pelos estragos da velhice. “Eu sou apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes, e vindo do interior”.

Muito sucesso, de repente, contrariando seus fãs desaparece. Mas, um homem pode ser um barco. Um homem pode ser um barco com casco de aço, com aquele sucesso todo, mas, depois, passam os anos e surgem rachaduras, a criatividade vai desaparecendo aos pouco, então por elas entram a água da nostalgia, e a água da consciência de não ter mais o sucesso de antes.

E assim o barco racha, vai a pique em algum momento. Temos duas naturezas, são as duas metades do homem, e a natureza íntima precisa ser protegida, como uma delicada peça de porcelana. Deus mandou que não nos julguemos uns aos outros, porque todos somos cegos e ignorantes quanto ao que vai no coração. Cada qual carrega o seu deserto, seu calvário particular, porque na angústia, no fundo da grande angústia, há a verdade de cada um.

Em 2017, Belchior morreu depois de quase dez anos de uma vida às sombras que ele havia escolhido levar desde que foi abandonando gradativamente a rotina de shows, o escritório, o apartamento e o carro em São Paulo. Em 2007, se separou da ex-mulher, passou a morar com Edna e fez o último contato com a família.

Em 2009, partiu de vez para o Uruguai. Nesse período, correu da imprensa e da Justiça, fez dezenas de amigos, viveu num acampamento de agricultores, numa espécie de comunidade hippie e até num mosteiro. Também deu incontáveis calotes, deixou pertences por onde passou, lamentou o impeachment de Dilma Rousseff (PT), dedicou-se aos desenhos e nunca deixou de pintar de preto o bigode e os cabelos.

Um momento difícil do trajeto de Belchior foi quando ele dormiu embaixo da ponte. Era 2012, o cantor havia passado um tempo em um hotel na cidade uruguaia de Artigas, época em que conseguia pagar as contas com os cerca de R$ 40 mil mensais que recebia de direitos autorais, mas a Jutiça bloqueou suas contas.

Depois de cinco meses sem pagar o hotel, saíram de lá – ele e Edna – só com a roupa do corpo. Dormiram numa área pública debaixo da Ponte Internacional da Concórdia, que liga os dois países, e só no dia seguinte encontraram um novo fã a fim de abrigá-los. Penso que queria compensar a curta obra que deixou entrando para a história desta maneira.

João Misael Tavares Lantyer
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*Este artigo emite, exclusivamente, a opinião do autor

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