Novo estudo feito por capitão da Polícia Militar aponta desenhos, letras e símbolos escolhidos pelas principais facções em atuação no estado
No mundo do crime, uma simples tatuagem é, antes de um recurso estético, uma marca de pertencimento. Símbolos, letras, números e até desenhos infantis e religiosos servem para identificar a qual grupo criminoso pertence um indivíduo.
Um pentagrama, por exemplo, é usado por membros da facção Katiara. Um mago pode significar que a pessoa faz parte do grupo Caveira. Já o desenho do escorpião é comumente usado por integrantes das quadrilhas CP (Comando da Paz) e PCC (Primeiro Comando da Capital), facção paulista com forte influência na Bahia.
Essas informações fazem parte de um novo estudo realizado pelo capitão da Polícia Militar Alden José Lázaro da Silva, do Departamento de Polícia Comunitária e Direitos Humanos. Há mais de 10 anos, ele se dedica a traduzir o significado de imagens desenhadas nos corpos de presos e suspeitos de crimes na Bahia e é o autor da Cartilha de Orientação Policial, adotada pela PM baiana, que está sendo atualizada.
“Durante o primeiro estudo, tínhamos conhecimento de que havia um certo padrão, mas essas facções, como Caveira e a Katiara, não eram muito famosas. A partir da cartilha, catalogando as imagens, foi possível cruzar as imagens com os relatos”, explicou capitão Alden, que usou como fontes outros policiais e também os suspeitos de envolvimentos com as organizações criminosas.
Tatuagens
Representada comumente por um pentagrama, a turma da Katiara, facção fundada por Adilson Souza Lima, o Roceirinho, recém-transferido para o presídio de Campo Grande (MS), também costuma usar a letra K para se identificar.
Segundo o capitão Alden, a quadrilha buscou influência nas gangues que atuam na América Latina, como Los Zetas, e na máfia russa, que costumam tatuar estrelas nos ombros e joelhos. Outra forma de identificação são as iniciais KT — normalmente nas mãos.
A Caveira, além do desenho do crânio, tem como identificação um mago – referência ao chefe do grupo, Genildo Lino da Silva, o Perna, que está no Presídio Federal de Catanduvas (PR). O bando utiliza de símbolos associados ao PCC, como a carpa e o número 1533 (referente à ordem das letras no alfabeto: P-15 C-3 C-3) e o yin yang (segundo a filosofia chinesa, representa o bem e o mal).
Já o CP, liderado por Cláudio Campanha, também custodiado em Catanduva, tem como representação o escorpião, a expressão “Tudo 2”, que significa tudo CP (o número 2 faz referência à quantidade de letras da sigla) e o número 315 (referente à ordem das letras no alfabeto C-3 P-15).
De acordo com a pesquisa, 35% das tatuagens são feitas dentro dos presídios. A Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) informou que desconhece tal prática e que, se realizada, é de forma artesanal, com o uso de canetas, por exemplo.
Outras marcas
A simbologia no meio do crime nem sempre está cravada na pele. “Temos encontrado cortes de cabelo que evidenciam a possível ligação de um indivíduo a facções”, indica capitão Alden. Outra forma de identificação visual é a pichação em muros e imóveis.
O estudo apontou que é comum encontrar pichações da Caveira em Pau da Lima, Pernambués (Saramandaia), Federação (Lajinha), Bairro da Paz, Liberdade, Calabar, Santa Cruz (Boqueirão), Cajazeiras, Mussurunga, Itapuã e nas cidades de Itabuna, Madre de Deus, Feira de Santana e Lauro de Freitas.
Já o CP tem predominância na maior parte de extensão da Avenida Suburbana, Cosme de Farias, Bate Coração (Paripe), Campinas de Brotas. As marcas da Katiara são mais comuns em Valéria, Águas Claras, Lobato e em municípios do Recôncavo.
Abordagem
Cerca de 50 mil fotos foram coletadas pelo capitão: elas vêm de presídios e delegacias, instituto médico-legal, jornais, revistas e redes sociais – somado a entrevistas com detentos. “Mas a tatuagem não é um fator predominante para se prender alguém. O estudo serve para aguçar a curiosidade do policial em abordar uma pessoa que tem uma tatuagem supostamente relacionada ao crime”, declarou o capitão.
De acordo com o delegado Alexandre Narita, coordenador da unidade de Narcóticos do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), as investigações não se baseiam somente em tatuagens. “Muitos utilizam tatuagens que sugestionam algum grupo criminoso para se autoafirmar. No contexto, pode ser levado em consideração, mas não é fato que se deva considerar”.
Tatuador há 12 anos, Diego Rangel diz que tem que haver preocupação para não ocorrer uma estigmatização. “A carpa (usada pelo PCC), por exemplo, significa perseverança na cultura oriental, porque (segundo uma lenda) sobe no sentido contrário de uma cachoeira e depois se transforma em um dragão”, ilustrou.
Símbolos têm forte influência de quadrilhas gringas
Palhaços, índias, serpentes, polvos, aranhas, peixes, anjos, santos e demônios são figuras comuns nas unidades prisionais brasileiras, mas também identificadas em penitenciárias de outros países.
Segundo o primeiro estudo do capitão Alden Silva, que detalhou os significados de 36 imagens associadas a crimes específicos, tatuagens identificadas em detentos nos EUA e Rússia, por exemplo, também eram comuns no Brasil.
Os símbolos mais recorrentes são palhaços (associados a roubo e morte de policiais), magos ou duendes (comuns entre traficantes). A pesquisa identificou ainda a presença de personagens infantis, como o Demônio da Tasmânia, o Papa-Léguas e, aqui no Brasil, o Saci-Pererê.
O primeiro desenho sugere envolvimento com furto ou roubo e está associado também a arrastões. Já o Papa-Léguas indica criminosos que usam moto para transportar drogas. O Saci também tem relação com o tráfico: quem a ostenta cuidaria do preparo e distribuição de drogas.
Segundo o capitão da PM, que ficou conhecido no mundo inteiro pelo trabalho de reconhecimento das imagens, após reportagens internacionais, a importância do estudo, que deu origem à cartilha, é também ajudar a garantir a segurança do policial, no caso de tatuagens relacionadas a mortes de PMs. “É mais uma ferramenta de reconhecimento de suspeitos”, disse, citando as imagens de carpas – peixes frequentemente associados ao PCC.
Moradores de áreas sob domínio do tráfico evitam certos símbolos
De acordo com o tatuador Diego Rangel, há receio de algumas pessoas em tatuar desenhos como caveira, carpa ou palhaço, temendo ser associadas a integrantes de facções criminosas.
“Normalmente, o cliente comenta que queria fazer uma carpa, mas desiste porque onde mora teme ser confundido com alguém envolvido com o crime”, contou ele. Segundo Rangel, que tem um estúdio na Pituba, esse comportamento é de um público específico.
“São pessoas que moram em regiões periféricas, onde são abordadas o tempo todo por policiais. Isso gera um certo receio”, comenta. “Um rapaz que mora na Pituba não tem esse problema porque a situação em questão não faz parte de sua realidade”, completa Rangel, que conheceu bem essa realidade das abordagens nas zonas periféricas.
“Morei na localidade de Km 17, em Itapuã; sei o que são as abordagens, do receio do tatuado de imaginarem o que ele não é”, pontuou.
A jornalista Doris Miranda, 44, tem desenhado no braço direito o símbolo da contracultura nos anos 50: uma caveira. “Porque é símbolo que representa bem o rock’n’ roll”, explica.
Ela mostrou-se preocupada com o fato de a polícia ter como base de abordagem pessoas tatuadas. “Embora venha se expandindo, a tatuagem não pode ser estigmatizada. É retroceder violentamente”, declarou Doris, que fez a sua primeira tatuagem, uma Mônica, quando tinha 27.
“Naquela época, havia o estigma de que tatuado era mal visto. Só fiz depois que meu pai morreu”, contou ela, que hoje tem mais de 20 desenhos espalhados pelo corpo.
Correio da Bahia