Uma ferramenta da ONG norte-americana Climate Central, especializada na divulgação de conteúdos relacionados às mudanças climáticas, traz um alerta espantoso em relação ao aumento do nível dos mares. Segundo o site do grupo de cientistas independentes, se o nível da parte sul do Oceano Atlântico subir um metro, boa parte do litoral brasileiro está em risco de ser engolido pela água do mar – e as praias como as conhecemos vão desaparecer.
Um dos mapas interativos disponíveis no site do Climate Central mostra os efeitos do aumento em um metro no nível da água do mar, potencialmente provocado pelo aquecimento global e pelo degelo das calotas polares. Neste cenário, mostra a ferramenta, locais turísticos como a região de Porto de Galinhas, desde a praia de Tamandaré, passando pela Praia dos Carneiros, Pontal do Maracaípe e seguindo até o Porto de Suape ficariam debaixo d’água.
No litoral paranaense, por exemplo, as baías de Guaratuba e de Paranaguá seriam fortemente impactadas – esta última com possibilidade de alagamento até na cidade de Morretes, distante cerca de 40 quilômetros do mar. Em Santa Catarina, o litoral norte seria atingido pelas cheias entre Joinville e Garuva, e a cidade litorânea de Tijucas ficaria quase que totalmente submersa.
O pior cenário previsto é para o estado do Pará. Com uma elevação de um metro nas águas do Atlântico, o aumento no nível do Rio Amazonas atingiria até mesmo a cidade de Juruti, localizada há mais de 1,3 mil quilômetros de distância das águas do mar que banham a capital, Belém.
Especialistas descartam caráter catastrófico dos mapas de risco
Mesmo com esse cenário que leva ao questionamento central se as praias vão desaparecer, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo descartam o caráter catastrófico das previsões da ONG. Para eles, os sinais mostrados pelos mapas devem ser encarados mais como um alerta de longo prazo para que cidades e comunidades dessas regiões possam se estruturar para mitigar os danos dos possíveis alagamentos.
Maurício Noernberg é professor titular do Centro de Estudos do Mar e coordena o Laboratório de Oceanografia Costeira e Geoprocessamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para ele, um dos principais pontos de atenção em relação à ferramenta interativa é a falta de precisão do modelo.
“Esses mapas de risco estão considerando um levantamento topográfico de uma escala não muito adequada, que é o que tem disponível por meio de imagens de satélite. A gente está falando na ordem de centímetros, na variação vertical. Nossos mapas topográficos não têm essa resolução de centímetros. Então, o erro é muito grande para a gente poder dizer aonde vai ou não vai alagar”, explicou o professor, citando que há uma falta de uniformidade nas taxas de elevação do nível do mar.
A avaliação é similar à da professora Kyssyanne Samihra Oliveira, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Para ela, as ferramentas da ONG dos Estados Unidos devem ser vistas como “um aviso para os próximos 30, 50 100 anos”, e não como um fator crítico imediato.
“Há várias outras questões que precisam ser levadas em conta, porque a ferramenta não leva em conta a interação, processos de arrasto, se tem presença de vegetação. Ela não considera nada disso, se existe alguma estrutura costeira de contenção. São diversos pontos que precisam ser considerados para de fato a gente avaliar se uma região apresenta vulnerabilidade”, detalhou.
Áreas de mangue estão mais sujeitas à influência das marés
A professora da Ufes explicou à reportagem da Gazeta do Povo que o nível do Atlântico norte tem subido a taxas mais elevadas do que a porção sul do oceano. Isso explicaria o risco maior apontado pela Climate Central para o estado do Pará, que sofre influência desta parte do oceano.
“Como no norte do Brasil a gente tem uma costa de manguezal bastante ampla, então isso propicia que a maré entre bastante e acaba sendo uma área mais afetada, para a qual hoje a gente está mais em alerta”, explicou. Oliveira traçou um paralelo entre a ferramenta da ONG norte-americana que alerta para a possibilidade de praias que vão desaparecer e as recentes queimadas que se alastraram pelo país.
“A gente vem acompanhando alertas a respeito da seca, das ondas de calor e das mudanças climáticas há alguns anos. Agora todo mundo resolveu correr para literalmente apagar o incêndio. Isso aqui não poderia estar acontecendo. Esse tipo de produto e esse conhecimento serve para a gente começar o protocolo de ação, a investigar, para que de fato seja direcionado a atenção para as áreas de maior problema”, afirmou ela.
Regiões costeiras estão sujeitas à elevação do mar provocada por fatores diversos
Esses protocolos de ação, citados pela professora da Ufes, podem ajudar na mitigação dos efeitos da erosão costeira provocada não só pelo aumento do nível do mar como também por outros fatores associados. De acordo com o professor Noernberg, da UFPR, o litoral paranaense, por exemplo, é bastante suscetível às chamadas “marés de sizígia”, que ocorrem nas fases de lua nova e lua cheia.
Nessas épocas, a diferença entre a maré alta e a maré baixa aumenta. Quando esse fenômeno se associa a outro fator externo, como uma chegada de frente fria, pode ocorrer essa variação que eleva o nível do mar a quase um metro mais do que o normal – o que pode alterar a configuração atual do litoral e culminar no cenário com praias que podem desaparecer.
“Embora o nível do mar esteja subindo na ordem de 10 centímetros, 20 centímetros, em décadas, uma frente fria pode elevar o nível do mar em 50, 80 centímetros aqui no nosso litoral. A água vai chegar em locais bem mais interiores do que o normal. Uma onda que quebra ali embaixo, quando está tudo isso associado vai quebrar lá na calçada, vai erodir, tem um potencial destrutivo muito maior”, alertou.
Mapas de risco não podem ser vistos como um “produto para causar pânico”
Entre as possíveis soluções, a professora Kyssyanne Samihra Oliveira descarta a migração dentro das áreas urbanas de cidades localizadas em áreas consideradas sob risco potencial de alagamento. “Como é que você tira a cidade do Rio de Janeiro inteira? Como é que você movimenta a cidade do Recife? Como é que você tira a região baixa de Salvador? São regiões que precisam de um protocolo real de ação, porque daqui a 30 anos o nível do mar não vai deixar de subir”, alertou.
Ainda assim, reforçou a professora, os mapas de risco potencial associados a praias e a regiões inteiras que vão desaparecer ou serem drasticamente alteradas “não podem ser encarados como um produto para gerar pânico na população, mas sim um produto para gerar alerta para os gestores em nível local, regional e nacional”.
A pesquisadora reforça o panorama para curto, médio e longo prazo. “Então, existem diferentes componentes do nível do mar que variam. Há diferentes escalas temporais, e isso precisa ser considerado nos estudos e nos planos de ação de prevenção e mitigação, e principalmente a adaptabilidade em relação à subida do nível do mar. É uma realidade que pode parecer distante, mas ela vai chegar”, completou.
Fonte: Gazeta do Povo