Artista baiano expulso da Espanha planeja um protesto no Consulado do país

Convidado para abrir uma mostra com 25 obras em Milão Menelaw Sete foi barrado pela polícia de imigração em Madri, onde faria conexão para a Itália

A expressão séria no rosto pode transmitir a imagem de uma pessoa de poucos amigos; Mas é apenas algo pontual. O artista plástico baiano Menelaw Sete, 47 anos, está revoltado. Convidado para abrir uma mostra com 25 obras em Milão, na Itália, e pintar um painel das dimensões de um gol de futebol em Brissago, na Suíça, ele foi barrado pela polícia de imigração em Madri, na Espanha, onde faria conexão para a Itália.

Menelaw embarcou em Salvador na noite de quinta-feira, em voo direto para Madri, onde chegou às 11h de sexta (hora local, 6h em Salvador). “Me senti um nada. Até agora me sinto confuso. Fizeram isso porque eu sou brasileiro e negro. Só vi negros e mulatos retidos”, diz o baiano, que voltou sábado à noite a Salvador.

Menelaw ficou retido por cerca de 30 horas no aeroporto internacional de Barajas, apesar de ter mostrado os mesmos documentos apresentados nas últimas vezes que esteve na Europa. Além de dinheiro – mil euros em espécie, o equivalente a R$ 2.550, o baiano estava de posse de um documento chamado carta de invitação, no qual seu empresário italiano, Ezio Dellapiazza, assume a responsabilidade de Menelaw na Itália.

Protesto

Menelaw afirma que não pretende deixar o assunto morrer. Ele diz que ainda está sensibilizado com a retenção na Espanha, mas que pretende organizar, ainda nesta semana, um protesto em frente ao Consulado espanhol em Salvador, localizado no Canela. Para dar corpo, pensa em convidar artistas baianos que ofereçam apoio à causa. “Estou querendo fazer uma greve de fome. O que eu quero é que o cônsul se pronuncie, peça desculpas, algo que não ouvi de ninguém lá no aeroporto de Madri. Não busco compensação financeira por toda a humilhação que eu sofri lá”, protesta.

Outro lado

Ontem, às 17h30, o CORREIO entrou em contato com o Consulado da Espanha em Salvador. O serviço consular informou que a unidade da capital baiana não pode responder por casos de brasileiros retidos em aeroportos espanhóis e que o caso deveria ser tratado diretamente com a Embaixada, em Brasília.

Por sua vez, o funcionário responsável pelo telefone de assistência da Embaixada nos finais de semana informou que não poderia dar entrevistas ou falar sobre o caso.

Menelaw afirma que há mais de 15 anos viaja para o exterior, sempre convidado para mostras. “Sempre fui muito bem tratado, essa foi a primeira vez que acontece algo do gênero comigo. Mas pretendo voltar à Europa”, afirma.

O tormento de Menelaw, para usar o termo utilizado pelo próprio artista, começou na imigração. “O policial disse que a carta tinha de ter o carimbo da polícia italiana. De nada adiantou eu ter dito que aquele era o mesmo documento que apresentei em Madri, no ano passado”, diz. Segundo Menelaw, ele entrou logo em contato com Ezio, que teria se oferecido a ir a Madri levar um documento carimbado, mas a polícia espanhola estava irredutível.

Choro

Menelaw conta que foi levado então a uma sala onde estavam outros viajantes retidos. “Naquele momento, percebi que de nada adiantaria, que eles já estavam decididos a me deportar”, conta o artista. Ele estava acompanhado do assistente, Paulo Coelho, que também foi retido. “Minha maior preocupação era com ele (Paulo), que é hipertenso. Ele ficou sem tomar os remédios, que foram confiscados pela polícia, apesar da receita médica”, denuncia.

Dessa primeira sala, os dois baianos foram levados, junto a outros dois viajantes também embarcados em Salvador, para uma outra sala. Segundo Menelaw, o celular e a câmera fotográfica dos passageiros também foram confiscados no período que permaneceram no aeroporto. “Fiquei só com a sacola de mão. A mala foi parar no destino final, Milão, e está lá até agora. Cheguei a Salvador sem nada”, afirma.

O artista conta que buscou manter a tranquilidade durante todo o período. Na segunda sala, ele conta que a maior parte dos ocupantes era formada por latinos. “Vi muita gente chorando”, conta.

Papel higiênico

O almoço de sexta foi servido apenas às 16h. “Era uma comida horrível, uma carne sem sal, uma salada e água”, diz. A água, conta, não estava sempre à disposição dos viajantes. Era oferecida apenas nas refeições. Menelaw conta que os ambientes não tinham janelas ou possuíam pouca luz natural. “Uma tortura”, resume.

Na hora de tomar banho, Menelaw conta que o sentimento de humilhação só aumentou. “Não tinha sabonete. Era um sabão líquido que ficava em uma garrafa dessas de dois litros, de refrigerante. E também não nos deram toalha. Tive de me enxugar usando pedaços de papel higiênico”, relembra.

Ele também não ganhou escova e creme dental – o material de higiene bucal de Menelaw estava na mala, que seguiu para Milão. Para dormir, a situação também foi criticada pelo baiano. “Era um monte de beliche, umas 50, 100 pessoas amontoadas, idosos, crianças, todos juntos. Muita gente chorando. Foi uma noite cruel. De manhã, comi um pão e bebi água”, relata.

A volta não foi menos angustiante. Menelaw conta que foi escoltado por policiais espanhóis até o avião, e que só embarcou quando todos os demais passageiros já tinham entrado na aeronave.

Durante o período que esteve confinado, Menelaw fez cerca de 40 desenhos, usando um caderno e uma caneta esferográfica. Para o artista, esta foi uma forma de manter a lucidez. Como a maioria dos artistas, desenhava aquilo que via: mulheres chorando, arrogância policial, maus-tratos. “Minha arte sempre foi política, sempre usei para denunciar, para protestar. Com certeza, vou incorporar aquilo que sofri em minha obra. Mas a arte segue, a vida segue”, afirma Menelaw.

Documento do artista estava sem carimbo

A Espanha exige dos brasileiros que entram na Europa pelo país, além de uma quantia mínima de 64,14 euros por dia, uma carta assinada pelo anfitrião do passageiro emitida pela Delegacia da Polícia do lugar de residência daquele que irá hospedar o viajante. “Minha carta não tinha esse carimbo, mas foi a mesma carta que sempre apresentei. Mostrei também o carimbo da imigração de Madri de maio de 2011, quando não exigiram o carimbo”, afirma. Nos últimos anos, a Espanha endureceu a política de entrada de brasileiros. O Brasil vem adotando as mesmas medidas com os espanhóis.

 

Fonte: Salvatore Carrozzo\Correio

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