A realidade do Brasil que não pode ficar em casa durante a pandemia

E as opções se tornam quase sempre escassas: em plena crise, a maioria precisa escolher entre trabalhar e se expor ao vírus ou seguir as recomendações de quarentena e não ter dinheiro no fim do mês. Para aqueles que vivem em comunidades com becos fechados, sem saneamento básico ou com abastecimento irregular de água, lado a lado com centenas de vizinhos em igual situação de exclusão social, manter distanciamento e seguir as orientações de higiene são tarefas difíceis. A imagem que o Brasil projeta no espelho nem sempre é a mais agradável de se ver.

Na semana passada, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, noticiou a solução a que chegaram um empresário carioca e sua esposa, diagnosticados com o coronavírus. Contrariando todas as recomendações dos especialistas, não dispensaram a empregada doméstica, que permaneceu no apartamento “trabalhando de avental, luvas e máscara”. Ao mesmo tempo, surgiu um movimento de pessoas nas redes sociais para dizer como era importante não apenas a dispensa do trabalho como, também, manter a remuneração dessas mulheres quando possível. Foi o que fez Cynthia Saguie com a diarista que trabalha duas vezes por semana em sua casa há muitos anos. “Ela vem de transporte público, então, independentemente de ela ir ou não, vou pagar os dois dias da semana”, conta. Não ter um contrato de trabalho e pouca proteção social significa também depender de solidariedade e generosidade em situações atípicas. O home office é para poucos. Até esta segunda-feira várias continuavam indo trabalhar, apesar de pegar ônibus ou trens cheios, com patrões alheios ao fato de que elas podem ser fonte de contágio ou serem contagiadas — a maioria conta com o sistema público de saúde para uma emergência, ao contrário de seus empregadores.

Prevenção nas favelas

O impacto da pandemia do coronavírus também varia de acordo com o CEP e a cor da pessoa. Nesta segunda-feira, a hashtag #COVID19NasFavelas trazia relatos e análises sobre a vulnerabilidade de moradores —negros em sua maioria― de favelas. Como agravante, muitas dessas favelas são constantemente visitadas por estrangeiros, grande parte deles provenientes dos países mais infectados pelo coronavírus. Na Rocinha, onde vivem mais de 70.000 pessoas, a associação de moradores pediu que a entrada de turistas fosse vetada.

O ativista Raull Santiago, fundador do coletivo Papo Reto e também morador do Complexo do Alemão, explicou por meio de seu Twitter que “as dicas sobre prevenção e tentativas de evitar a proliferação do covid-19 são muito importantes, mas falhas, quando não contemplam a realidade de uma grande parte da população do país”. Sobre lavar bem as mãos, lembra que a água não está disponível sempre. “Nós economizamos água não apenas por consciência, mas também por sobrevivência. Lavar a mão o tempo inteiro, não é uma possibilidade. Ah, na minha casa são seis pessoas. Ainda lutamos pelo direito à água aqui”, conta. Sobre quarentena, diz ser impossível: “É parede com parede, tem casa de dois, três cômodos com seis pessoas morando. Como faz? Qual o caminho? Para onde seguir com essas dicas de prevenção?”, questionou.

“Muitos moradores do Complexo do Alemão estão reclamado que estão sem abastecimento de água e por isso não estão conseguindo se prevenir contra o novo coronavírus. Não há álcool em gel nas farmácias e mercados”, relatou o jornalista Rene Silva, fundador do Vozes das Comunidades, em seu perfil do Twitter. Uma vizinha, Renata Trajano, respondeu com outro relato: “Onde eu moro só cai [água] duas vezes por semana à noite e com ajuda da bomba. Como faz para lavar as mãos? Álcool em gel não encontrei em lugar algum, tenho uma mãe de 80 anos e precisamos manter tudo higienizado.”

Mas, neste mesmo Brasil, há quem deixa bilhetes se oferecendo para ajudar pessoas idosas com tarefas como ir ao mercado. Isso é empatia. Amor ao próximo. Altruísmo.

Seja altruísta todo dia.

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