Foi dito: ‘Aquele que se divorciar de sua mulher deverá dar-lhe certidão de divórcio’. Mas eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, faz que ela se torne adúltera, e quem se casar com a mulher divorciada estará cometendo adultério.” (Mateus 5.31-32)
Ontem, iniciando nossa reflexão sobre o divórcio no ensino do Sermão do Monte, salientamos alguns aspectos que importa relembrar. Vimos a natureza e o papel da união conjugal nos dias de Jesus. A posição do homem e da mulher nela e analisamos a permissão do divórcio na Lei entregue por Moisés. Vimos a interpretação dada ao texto da Lei pelas duas principais escolas rabinicas: a de Shamai e a de Hillel. Consideramos a condição frágil em que a escola de Hillel deixava a mulher e vimos que a posição de Jesus foi de apoio à interpretação segundo Shamai. Ela representava mais equilíbrio e proteção para a mulher dentro do casamento. Em lugar de ter o direito de divorciar-se por qualquer motivo (posição de Hillel), o homem só poderia divorciar-se em caso de infidelidade de sua esposa (posição de Shamai). A posição de Jesus decorreu das condições do casamento e do lugar dos cônjuges dentro dele. O contexto importa!
Dois mil anos se passaram. O casamento hoje é, inegavelmente, de outra natureza e se realiza em outras bases, sendo uma união livre e não imposta, de caráter pessoal e não uma demanda social. Homem e mulher tem nele outros papéis e responsabilidades e uma possível decisão pelo divórcio não é direito exclusivo do homem. O sentido da relação e sua saúde envolve mais do que unicamente não trair, dando ao termo “infidelidade” amplitude para além do aspecto sexual. A relação conjugal é outra e o casamento também. Cabe então a pergunta: atualmente poderíamos admitir outras clausulas para o divórcio ou, para sermos fieis às Escrituras, devemos manter a infidelidade feminina como a única? Somente o homem pode pedir o divórcio ou devemos dar também esse direito à mulher? Pois tudo isso está na condição original! Sendo hoje o casamento de outra natureza, bem como as relações e a sociedade, creio que não há como tratar o divórcio da mesma forma. Pois não creio ter sido esse o intuito de Jesus: nos entregar uma regra. Ele posicionou-se por uma relação mais justa na vida conjugal. Creio que não compreender isso significa uma afronta à sacralidade da vida, tornando o secundário mais importante que o primário. Pois o valor da pessoa antecede ao valor de qualquer instituto.
O sábado foi feito por casa do ser humano e não o ser humano, por causa do sábado (Mc 2.27). O valor do casamento não deve ser considerado à parte do valor da vida ou dos direitos de seus contraentes. Claro, há sempre o risco (e ele se concretiza infelizmente com frequência) de que o divórcio seja usado irresponsavelmente. Mas simplesmente condena-lo não é o caminho para lidar com isso e nem salva necessariamente um casamento. Ensinar a condenação do divórcio como mandamento divino tem condenado pessoas a relacionamentos abusivos e privilegiado cônjuges infiéis em sua maneira de se relacionar. Acolher a decisão do divórcio não destrói necessariamente uma família e nem se constitui uma ofensa a Deus. Infelizmente há uniões que precisam ser interrompidas, como membros do corpo precisam ser amputados quando estão colocando a vida em risco. Podemos e devemos tentar ajudar, apoiar e aconselhar para viabilizar a continuidade do casamento. Mas, assim como não temos como garantir o bem estar de uma união conjugal, não temos o direito de simplesmente condenar a escolha pelo divórcio. Esse é um direito e responsabilidade de cada cônjuge! Penso ser essa perspectiva a que verdadeiramente se inspira no caráter do Evangelho e no ensino de Jesus.