“Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? Por que estás tão longe de salvar-me, tão longe dos meus gritos de angústia?” (Salmos 22.1)
A ausência de Deus na vida daquele que crê em Deus! Essa é a mais desafiadora crise porque pode passar alguém que crê. Alguns diriam que Deus jamais estará ausente. E poderiam usar o texto bíblico que em que Jesus afirma: “Eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.20). E outros textos, pois há muitos! Porém, isso denotaria uma leitura pouco cuidadosa das Escrituras, a exemplo do que nos referimos na devocional de ontem. Pois, sim, a ausência de Deus acontece na vida de quem crê e isso não significa contradição dos textos que afirmam a presença. A ausência que sentimos de Deus é um fato. Não é um descuido ou desprezo de Deus a nós. Não é desamor ou reprovação. É processo de vida, pode ser didática divina e propósito para além de nossa compreensão. Sua ausência é tão cuidadosa e amorosa quanto sua presença, mas não a sentimos ou a vivenciamos como iguais, pois não são. A ausência de Deus nos fragiliza e angustia. A crise da ausência de Deus foi tratada na história espiritual de muitos cristãos. Foi chamada de “a noite escura da alma”.
Um dos que caminharam nela foi João da Cruz, poeta e místico espanhol do século XVI, que cunhou o termo. O verso de hoje, e todo o salmo, trata dessa mesma noite, portanto é algo que antecede João da Cruz. O salmista a viveu. E ao escrever sua oração descrevendo sua crise da ausência de Deus, sua noite escura da alma, entregou à história um salmo chamado messiânico. Pois suas palavras foram usadas por Jesus em sua noite escura da alma. Em seu estado de abandono pelo Pai. Sim, Jesus também caminhou na noite escura da alma, assim como muitos de nós. A dele, não há dúvida, é incomparável! Como enfrentar essa crise? Como nos sairmos bem? É mais fácil falar dela que caminhar por ela. Mas me arriscaria a dizer algumas cosias a respeito. A primeira coisa a fazer é assumi-la. Como o salmista, expressa-la. Sem medo. É importante falar com Deus, que é para nós a causa dela, é importante falar com Ele sobre ela. Deus já ouviu muito a respeito e, fique em paz, você não o surpreenderá, nem o ofenderá. Tenha alguém, um ou mais, que possa ouvir você, além de Deus, e orar com você. E saiba também estar só e em silêncio.
A noite escura da alma não precisa destruir você ou sua fé. Talvez chegue perto. Teresa de Ávila, que viveu no mesmo século de João da Cruz, escreveu um diálogo com Deus bem apropriado para ilustrar nossa reflexão hoje: “Senhor, se estou cumprindo Tuas Ordens, por que tenho tantas dificuldades no caminho?” Deus respondeu: “Teresa, não sabes que é assim que trato os meus amigos?” Teresa, honrando seu sangue espanhol, respondeu: “Ah, Senhor, então é por isto que tens tão poucos amigos!”. Deus não tem medo de decepcionar seus amigos. Misteriosamente sabe o quanto uma crise pode fazer por nossa vida e fé. Ele não aceita ídolos e matará todos os falsos deuses que se tornarem Sua imagem para nós, se realmente quisermos crescer espiritualmente. E uma ou mais noites escuras da alma podem ser necessárias. Por isso, seja ensinável. Firmeza na fé não é o mesmo que rigidez de ideias. Há coisas que só aprenderemos do jeito difícil. Mas não precisam ser todas!